domingo, 7 de setembro de 2014

Subúrbio

(por Priscilla Franco)


Se a Zona Sul soubesse a harmonia em que convivem a doçura e o caos nas ruas irregulares do subúrbio, certamente estaria de mudança para Madureira. Devo pedir perdão previamente à Urca, Copacabana, Leblon, Garota de Ipanema e Manoel Carlos. Mas tudo parece morno quando comparado à energia pulsante que move pessoas, carros, trens e metrôs por esse pedaço esquecido da cidade maravilhosa. É o lugar onde não é praxe esbarrar em uma celebridade e dificilmente se é descoberto por um caça-talentos. É dormitório de domésticas, serventes e operários, abriga o imenso staff que move a engrenagem dos famosos bairros cariocas. É um refúgio sem flashes, recanto dos anônimos.
       Lá amanhece quando ainda não há sol. Uma multidão de despertadores move trabalhadores até a condução. O ônibus é a extensão da cama para quem tem a sorte de conseguir um lugar. Os vagões do trem são mercados, bazares e até mesmo igrejas, quando alguém leva a bíblia para pregar. Dizem que todos os dias algumas almas são salvas entre o Engenho de Dentro e a Central do Brasil.
          Donas de casa rompem o marasmo da manhã encontrando-se nos muros para comentar sobre a vida alheia. A pauta inclui a programação das novelas e pessoas interessantes, que cabem ou não nas revistas de fofoca. Quem vê essas senhoras de longe até acredita que voltou no tempo. Não é o máximo que em uma cidade imensa ainda existam pessoas que dedicam seu tempo a uma boa prosa?
       Crianças brincam na rua, interrompendo o futebol vez ou outra para dar passagem a um carro, moto ou qualquer outro veículo inconveniente. As bonecas são compartilhadas, os carrinhos, pipas e bolas de gude. Creio que o subúrbio é um dos últimos lugares onde as pessoas ainda têm prazer em compartilhar. Compartilha-se desde o “gato” da TV a cabo até o bolo de fubá batido em uma tarde de quarta-feira.
      Na hora do almoço, os cheiros se confundem. Muitas panelas chiam feijão cozido enquanto alhos torram nas frigideiras. O burburinho das crianças cede lugar aos barulhos de pratos e talheres. Nessa hora, o passeio por uma rua de Marechal Hermes é o bastante para nos abrir o apetite.
    Apesar de conservar costumes deliciosos que a vida moderna tenta a todo custo extinguir, o subúrbio não está parado no tempo. Os prós e contras da vida contemporânea também são percebidos por lá. Se a máquina de lavar acabou com as reuniões de vizinhas no tanque, nas lan houses, o contato com a tecnologia é uma ótima desculpa para confraternizar.
       Se na Zona Sul as pessoas vivem com glamour, é no Subúrbio que se vive de verdade. Nem o orçamento apertado ou a falta de acesso aos serviços públicos desanimam esse povo. Posso afirmar que em toda madame cheia de roupas de grife, champanhe e prozac falta a alegria descontraída de um passeio no calçadão de Madureira.

     O subúrbio é assim, difícil de ser desvendado em apenas um olhar. Se é feio, inseguro ou esquecido, se não tem frescura ou se faz figuração no mapa do Rio de Janeiro, já foi imortalizado na poesia de Chico e está guardado com todo carinho nas minhas memórias afetivas.


3 comentários:

Anônimo disse...

Lindo!!! A autora é clara, objetiva mas com a dose certa de poesia. Adorei!

Lohan Lage Pignone disse...

Adorei! Nossa, uma crônica no ponto, como uma boa crônica deve ser. Obrigado, Priscila, por ter abrilhantado o Autores S/A!

Anônimo disse...

Que cafonice ficou esse site!!