segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Filho





Bebeu três ou quatro goles de água. Como se quisesse hidratar a coragem. Não tinha o que dizer. Não encontrava o que pudesse dizer ao filho. Tinha ensaiado umas poucas, curtas frases. Mas não lembrava, agora, onde havia guardado as palavras. Quis recompor a memória entre um passo e outro. Passos lentos no corredor comprido. Voltou nos anos. Pegou novamente nos braços o corpinho pequeno do filho. Sentiu o cheiro bom daquela pele macia. E descobriu onde Deus tinha deixado os seus melhores anjos. As mãos de bebê incrivelmente fortes. Agarrando o dedo dele numa confirmação de posse. Noites de sono no sofá da sala. O menino no colo; ele, nas nuvens de um céu a dois. Cantando coisas idiotas que falavam de bois e de cucas. Olhos nos olhos. Pra ver quem piscava primeiro. Pestanas com pestanas, pra fazer cócegas, dar gargalhadas. Futebol com bola colorida. Bichos de pelúcia transmudados em monstros, dragões, cavaleiros. Robôs e carros de metal. Movidos à pilha, bateria e dinheiro. O dele, sempre esticado em milagre. Coisa de pai. Pai de zoológico, de piscina, de corte de cabelo no barbeiro. Coisa de homem. Dever de casa complicado — no tempo dele era mais fácil. Viagens de verão. Uma vez para conhecer o mar. Muitas outras, acampados no quintal, domando feras, caçando quimeras, cruzando o oceano das poças. O primeiro cabelo no pênis. Mostrado com vergonha no chuveiro. As primeiras perguntas difíceis. Feitas a ele, não aos amigos. Orgulho de ser pai e confidente. Um gole de cerveja escondido da mãe, só um. Pra aprender em casa o gosto da rua. Faculdade de Engenharia. Como ele. No primeiro vestibular. Formatura com direito a viagem. Pra Nova Iorque, junto com a turma. Bolso esticado mais uma vez em milagre de pai. Dívida grande. Grandes expectativas. A ligação importante, chamando para o emprego dos sonhos — o primeiro sempre é. A ligação do hospital. Chamando para o pesadelo.
A água do copo acabou. Entrou no quarto sem frase na boca ou na memória. Olhos nos olhos. Nenhum dos dois piscou. Pegou nos braços o corpo semi-imóvel, semivivo do filho. Delicadamente. Sentiu o cheiro podre do acidente. Descobriu o que Deus fazia com seus melhores anjos. A mão incrivelmente fraca encostou no dedo dele. Esticou uma coragem do bolso da alma. E cantou cantigas de bois e de cucas. Até que seu menino foi brincar de infinito.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Refresco de Caroço


 

Mulher de homem não pôr defeito.
Sexo frágil é uma piada.
É jogo de carta marcada.
É papo de quem tem preconceito.

É conceito sem cabimento
E receita que desanda.
Para homem que pouco sabe
Só mulher que muito manda.

Sem mandinga, sem quebranto
Sem milonga, sem demanda…
Para homem que sabe nada
Só mulher que tira onda.

Mulher pau de dar em louco.
Colher de pau, angu de caroço.
Pimenta e água de coco
Na boca de quem quer refresco.

Mulher que dá pouco troco
Para homem que paga muito.
Que rouba cena de novela
E deixa as bocas sem assunto.


Paulo Acácio Ramos + Dante Pincelli
"O Velho PAR"


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O custo do amor

 (*Por Carla Zeglio)

Ah o amor... Tão discutido em prosa e verso.

Uma vez ouvi uma pessoa relatar que para demonstrar o amor pela parceria teria de dar provas constantes sobre ele. Quando peço exemplos o que recebo de resposta é: jantares especiais, presentes caros e assim tinha a certeza de que agradaria a parceria e seria amado.

Muitas pessoas confundem o amor com troca financeira. Não que não seja legal, ter uma graninha, para fazermos carinhos e agrados a nossa parceria, mas só a troca de presentes bons jantares certamente não será uma maneira de fazer a manutenção da relação com qualidade.

Que papo besta esse seu, Carla... Muito melhor chorar na França. Pois é...

Escrevo, pois venho falar de envolvimento afetivo. Capacidade de suportar frustrações na vida a dois que dinheiro nenhum paga... Na volta da França teremos de nos olhar nos olhos outra vez. E ai?

A maioria dos casais que ouvi e ouço, além de amigos e amigas (todos considerados pessoas que estão buscando um padrão de relacionamento com estabilidade emocional), é que existe dificuldade de manter a relação a dois mesmo quando se tem dinheiro se não temos demonstrações de afeto. A falta de grana pode ser um problema. Não falo de amor e uma cabana. Não discuto uma visão romântica de relacionamento... Se assim fosse, teríamos de suportar as princesas e seus príncipes em viagens estonteantes e caríssimas, com qualidade de vida e com o final de foram felizes para sempre. Bonito, né? Só nos livros e filmes de Walt Disney e Cia.

Viver a dois implica em algo mais.

Numa disposição para dar conta do seu sofrimento e do outro... Em celebrar sua alegria e a do outro. Respeitar a ambição sua e do outro. Conviver com a sua família e a do outro... Com a sua sogra e a do outro. (agora eu ri). A sogra do outro é sua mãe.

Saber que o casal não é uma ilha. Muitas vezes acreditam que sejam.

Enquanto escrevo, me vem à cabeça um casal muito querido, que morou anos fora do Brasil, pois ele estava bem colocado numa empresa. De repente, a empresa é vendida e ele perde o emprego. Sem condições de se manterem no país que estavam, decidem voltar ao Brasil, ‘a cidade de origem dele. Que ela conhece muito bem, diga-se de passagem.

De inicio ela sente-se mal com a pobreza, o não poder deixar o guarda-chuva na rua sem que o furtem, as balas perdidas na cidade que mora, as filas do banco, problemas com a Vivo, TIM, Claro, Oi.

Ela me diz: - Não era assim lá no país que morei.

Respondo: A realidade hoje é outra. Você já a conhece. Não tem nada de novo. A situação real é aqui. Não adianta querer algo que hoje é impossível.

Podemos planejar outra volta para lá. Hoje sua verdade é aqui.

Ela me conta que seu companheiro diz a mesma coisa. Lembrando que foi ele quem perdeu o emprego, a estabilidade, a tranquilidade e vive uma sensação de medo, insegurança, incompetência, etc.

Uma semana e meia depois voltamos a conversar e ela me conta que ele está em profundo estado de tristeza como o que ela estava num momento anterior. Que só consegue ver situações ruins na nova-velha cidade, mesmo tendo guardado dinheiro suficiente para jantarem em bons lugares, dar presentes caros e viverem bem.

Ela me diz que tenta ajudá-lo dizendo que a situação está cômoda e confortável. Que não faltará nada. Que tem dinheiro para uma vida confortável.

Ele responde que precisa estar bem com ele para poder estar bem com ela.

Ela sente-se deixada de lado. Pouco importante. E realmente está, com menos importância no momento.

Em alguns momentos a dor individual é tão grande que a parceria deixa de ser foco de nossas preocupações. Não por falta de amor. E sim, por ter de cuidarmos de nós primeiro. Se não existe o eu, não existiremos nós.

Ele afirma que só será de novo, ele mesmo quando tiver um emprego e sentir-se inteiro novamente conseguirá voltar a ser nós.

No momento em que percebe que não é fonte de receber afetos positivos. Ela me diz que vai cuidar dele, pois com ele ela quer ficar, mesmo num momento de crise como esse. Muitas vezes a crise no casal se dá a partir de crises individuais. Se ela não compreendesse o momento seria um peso a mais na dor deste parceiro.

Uma amiga querida de nome Louise, psicóloga também, brinca dizendo a verdade de que o amor muitas vezes precisa de vedação. Senão morre de infiltração. Com dinheiro ou não.

Na crise, uma viagem a França certamente será péssima. Na crise costumamos perder o contato olho no olho. Perdemos a capacidade de sermos assertivos na nossa necessidade. Perdemos a noção de qual o valor do dinheiro. Pobre casal rico. Que deixa a graça de comer sanduíches, sentados juntos no chão da sala, no sábado a noite pela obrigatoriedade do Glamour como manutenção do amor. Se não existe troca justa de afeto... Não existe troca justa de cheques. Em algum momento, falta algo que o dinheiro não compra.


domingo, 17 de fevereiro de 2013

Sobre o coração, a alma e o destino


(Por Sidarta Cavalcante*)




 
 

— Você não acha que já falou demais do coração?

— Não sei. É possível. Por quê?

— Porque já está ficando saturado, não acha?

— Não creio. Corações, enquanto batem, não se saciam.

— Isso não é verdade. Não pode ser verdade.

— Por que não?

— Ora, não posso acreditar que não existam pessoas realizadas nesta vida.

— Acho que existem pessoas se realizando, mas realizadas mesmo, só com a morte.

— Como assim?

— Explico. É o seguinte: corações não batem à toa.

— ...

— ...

— Só isso?

— Sim.

— Essa é sua explicação?

— É.

— Nunca ouvi uma bobagem tão grande na minha vida.

— De fato. Todo coração aparenta mesmo ser bobo.

— Você não tem jeito mesmo, né? Devia ser mais racional.

— E sou. Preciso organizar esse turbilhão de vozes que vêm do coração para escrever.

— Não sei. Desconfio de sua racionalidade.

— Sem problema. Eu também não confio nela.

— E no que você confia, então? No coração?

— Difícil dizer. Eu confio em alguma coisa.

— Ué... Você não confia no seu coração?

— O coração tem a função de apontar uma direção, um norte. Ele é fruto do desejo, das vontades da alma. Mas ele não sabe para onde vai o caminho indicado. O coração aponta a direção, mas não conhece o objetivo.

— E isso significa o quê?

— Significa que, muitas vezes, você pode se apegar a uma coisa que o coração lhe apontou, mas na verdade aquilo pode ser somente um ponto de referência. Para indicar um caminho, um coração pode dizer: “Tá vendo aquela pessoa? Vai por ali.”

— Então a pessoa só serviu como ponto de referência para que você buscasse aquele determinado caminho?

— Aí é que está. O que estou querendo dizer é que, enquanto o ego acredita que o coração está apontando para aquela determinada pessoa, na verdade ele está apontando um caminho que só pode ser visualizado através daquela determinada pessoa. O ego se confunde e se apega.

­— Mas e se aquela determinada pessoa for parte do caminho?

— O caminho é sempre individual, por mais duro que possa parecer. É claro que você pode criar um laço amoroso com aquela determinada pessoa, e esta relação ser bastante frutífera e “que seja eterna enquanto dure”. Mas estou tratando aqui de destino. E destino não tem nada a ver com casamento ou alma gêmea.

— E o que é o destino, Mr. Heart?

— Destino é realizar o que se tem dentro, é ser quem se é de verdade, é transformar tudo o que é potência humana em realidade.

— E como saber se cumpri o meu destino?

— Você saberá quando estiver prestes a morrer, ou quem sabe depois da morte, se acredita na continuidade da vida. Destino é simplesmente um fim, a chegada num determinado objetivo. Se você faz uma viagem, você sabe se chegou a seu destino quando se reconhece naquele lugar. Esta é uma boa metáfora: a vida como uma viagem. Você teve um ponto de partida, que foi como, onde, quando e através de quem você nasceu. Sobre isso você sabe. Já sobre seu destino, o único dado que dispõe é que um dia você vai morrer. Nada mais. Se você olhar para toda a sua vida como a narrativa de um romance, verá que o encadeamento dos fatos, do passado até hoje, parece seguir uma lógica especial, como se tudo estivesse conectado com um propósito. Como eu disse, o coração aponta a direção, mas não conhece o objetivo.

— Mas a alma sabe...

— Desconfio que a alma saiba. Por isso tento ficar atento quando ela fala, não só através do coração, mas nos grandes acontecimentos da vida.

— E quais são os grandes acontecimentos da vida?                      

— São aqueles que não são possíveis descrever com facilidade, por serem únicos, singulares. São aqueles carregados de significado, de afeto, de beleza, e nos dão sustentação, ou então nos retiram o chão. São acontecimentos que geralmente alteram a configuração do sentido existencial. Eles são tão carregados de energia que têm poderes transformadores sobre nós.

— E como a alma “sabe” desses acontecimentos externos?

— Talvez não seja bem um “saber”, mas um responder junto quando acontece. É como se o que está acontecendo dentro está, também, ocorrendo simbolicamente fora. Dois ou mais eventos ligados de forma significativa e não causal. Isso é sincronicidade. Mas nem todo grande acontecimento é sincrônico. Quer dizer, sempre é, mas nem sempre é percebido como sendo.

— Agora você complicou as coisas.

­— E quem disse que a vida humana é simples? O homem é o bicho mais complexo da criação.

— O mais complexo e mais infeliz da cadeia evolucionista.

— E talvez por isso, também o mais fascinante.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Voltando de NYC ...

A vida não tá fácil para ninguém, imagina para gente epiderme, gente que sente demais, que vive de dentro para fora... Engasgou? Tosse para respirar, mas se o nó apertar, vomita tudo e desnuda a alma! Por fora eu sou quase normal, quase sem graça, quase igual... Por dentro eu vivo em febre, eu deliro, eu não quero uma vida pequena, eu não quero amores pequenos... Eu quero o que não vejo, eu quero o que eu não entendo, eu quero o que mora longe... Eu quero o que não cabe na minha mala. Eu acredito no amor. Não como um prêmio, mas como uma salvação... É mais ou menos assim, a gente passa por vociferações a vida inteira e um dia quando estamos muito exaustas e já quase desistindo, o amor vem e nos salva... Não importa como ele venha,seja através de um homem, um filho,ou uma casa na montanha...Ele vem. E NOS SALVA. Como uma mulher cuja alma pertence ao século XVIII consegue sobreviver aos romances do século XXI e ainda chama-los de romance? Difícil... Mas acontece, as pessoas ainda não estão tão duras assim... O que importa, não é com quem você quer ficar sexta à noite, mas sim, o sábado inteiro! Não importa quantas vezes você caiu, mas quantas você se levantou... Crianças acreditam em Papai Noel, mulheres em amor verdadeiro, a mágica não está na existência, mas na crença! Acreditar te faz viver! Faz você viver às vezes feliz, às vezes triste, às vezes angustiada, magra, gorda, histérica, esotérica, agnóstica, louca ou sã, mas isso é ser. Eu sou, Meu Deus do céu, eu sou! Meio louca, desaforada, apressada, abusada, mas eu SOU! Que os novos ventos tragam boas novidades, que o que não deu certo apague e recomece, que a gente nunca se esqueça de agradecer, que a dor nos sirva de aprendizado e que o ano comece bem, porque o carnaval acabou ontem e eu comecei a escrever hoje. Feliz 2013, galera!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Les Mis: ame-o ou deixe-o


Os Miseráveis não é um filme para todos os públicos. Antes de ir conferi-lo, é bom saber o lhe espera. 1) são 160 minutos de duração – quase três horas. 2) não há absolutamente um diálogo em que os atores não estejam cantando – sim, é cantoria do início ao fim. 3) são dezenas de personagens “miseráveis” – praticamente todos choram em pelo menos um momento do filme, e 4) o diretor é Tom Hooper. Ou seja, dá-lhe ator no canto da tela, dá-lhe câmera no alto, câmera no chão, câmera girando, cortes rápidos, planos abertos, etc. Se a duração, a cantoria, o drama das personagens e os cacoetes do diretor não fizerem muita diferença, tenho uma boa notícia: você terá uma das maiores experiências cinematográficas da sua vida.

“Os Miseráveis” é um daqueles filmes que funcionam com uns, mas não com outros. Acontece, afinal de contas não é todo mundo que está disposto a encarar quase três horas de cantoria e chororô. Ainda mais quando essas três horas de cantoria e chororô são dirigidas por um cineasta que, dizem por aí, manja nada de linguagem cinematográfica. E convenhamos: para o bem ou para o mal, o destaque de “Les Mis” ficou para quem? Tom Hooper, é claro.


Para alguns, ele é o principal problema do filme. Para outros, “Os Miseráveis” não seria tão bom se não fosse por ele. O que eu penso? Bem, acredito que, não fosse Tom Hooper, o filme não teria 1/10 da grandiosidade que vi nos cinemas (duas vezes). E digo isso levando em consideração duas escolhas do diretor que, a meu ver, foram acertadas. A primeira, que talvez seja a maior curiosidade de “Les Mis”, é o fato das canções terem sido gravadas diretamente no set de filmagem. O que significa isso? Significa que, ao contrário dos outros musicais, em que as canções são gravadas e devidamente ajustadas em estúdio, aqui elas fazem parte da performance dos atores. Não há uma preocupação real em deixá-los com o timbre perfeito. A ideia, na verdade, é justamente a oposta. Hooper queria que as famosas canções do musical soassem o mais natural possível. Para isso, os atores gravaram com um ponto no ouvido, pelo qual acompanhavam a canção tocada no piano. Essa iniciativa, até então inédita nos cinemas, ajudou a imprimir a real emoção que as músicas exigem.

A outra decisão tomada por Hooper faz parte do seu leque de cacoetes. Ele colocou a câmera no meio do set, e o percorreu de um lado para o outro, acompanhando a ação, girando a lente e jogando, assim, o espectador para dentro da cena. Isso é essencial para que a experiência cinematográfica seja completa.

Quanto às atuações, muitos elogios. Finalmente – repito: FINALMENTE – alguém deu um papel decente para Hugh Jackman. Até então, ele só havia conseguido trabalhos medíocres, como o de Wolverine, nos quais aparentava ser um belo de um canastrão. Aqui, ele provou que pode ser grande. Jackman canta e atua brilhantemente, assim como Anne Hathaway, que apesar de sua curta participação, merece até dois Oscars pelo papel da pobre e sofrida Fantine. Eles, Samantha Barks e Eddie Redmayne, outro ator que, quando exigido, não brinca em serviço, são o que de melhor o elenco de “Les Mis” tem a oferecer. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito de Russell Crowe, que foi equivocadamente escalado para interpretar Javert. Tudo bem que a ideia do diretor era deixar a cantoria dos atores o mais natural possível, mas também não dá para escalar um ator que não sabe cantar porcaria nenhuma. Infelizmente, é o caso de Crowe. Ele não acerta uma única nota e isso, por melhores que sejam as intenções, é uma tortura.

“Os Miseráveis” recebeu oito indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme. Recentemente, levou o Globo de Ouro de Melhor Filme de Comédia/Musical. É uma obra de grande qualidade técnica, que possui algumas das canções mais famosas da história dos musicais e que, com certeza, vai entrar para o hall do cinema como uma das versões mais emblemáticas que a história de Victor Hugo já recebeu. Baseado na peça – e não na obra do escritor francês -, “Les Mis” é um filme que, quando chega ao final, dá vontade de aplaudir, como se as cortinas fossem abrir novamente para saudarmos o elenco. “Les Mis” tem seus problemas? Sim, tem. Mas, acima de tudo, “Les Mis” arrepia.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Uma Jogada Esperada


Salve Leitores SA! "Ei nós" aqui num sábado de carnaval, estreando sob o novo esquema de postagem do novíssimo Autores. Agora os autores publicarão mensalmente suas colunas. Portanto, todo dia 09 é a minha vez. Então, à música!



É carnaval, então pensei em comentar o enredo da G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel – o Rock in Rio, mas desisti. É quase Oscar, então cogitei comentar as indicações relativas à trilha sonora, mas também desisti. Ainda não vi nenhum filme cujas trilhas sonoras foram indicadas, e comentar "soundtracks" ouvindo somente a música incidental editada para um CD ou no YouTube seria tão precipitado e impertinente quanto julgar uma ópera inteira só pela ária mais famosa. Assim como não se conhece “Rigoletto” só por La Donna è Mobile, não deixamos de lembrar, ao ouvirmos a trilha de Superman, o herói voando sobre Metrópolis com sua Lois Lane nos braços. Por fim, pensei em comentar as indicações relativas às canções; afinal, há muito tempo uma canção de abertura do 007 não era indicada. Mas... 

- Osscassessssssss?

O que haveria para comentar? Skyfall, de Adele, concorre sem adversários! As demais canções são enormes tapa-buracos; talvez Suddenly, de “Os Miseráveis” tenha sido uma indicação genuína, embora musicalmente seja de uma tristeza entediante; por causa quem sabe da interpretação “miserável” de Hugh Jackman. Ouvindo-a pode-se imaginar o ator-personagem se arrastando pelas sarjetas de Paris em vias de cair mortalmente. Daí, nem tão de repente assim, a morte lhe alcança após a última nota suspirada. Aliado a tudo isso, não me espanta a ausência de Misty Mountains e de seu tom retumbante. A canção do filme "O Hobbit" arranjada e editada comercialmente se chama  Song of the Lonely Montain e mantém de modo bem evidente a linda melodia que os anões cantam na toca de Bilbo. Enfim, a Academia ignorou solenemente o grave suntuoso dos anões, frequência sonora coerente com o então momento narrativo do filme; grave que sugere ainda a profundidade dos túneis escavados no interior das montanhas, como se o canto dos anões e suas vozes viessem do salão mais fundo aberto dentro e sob as rochas gigantes. Em suma, a melodia dos anões fica; e sem perder para a bela Skyfall


 Skyfall:  http://www.youtube.com/watch?v=q-gLRp5bSpw
Suddenly: www.youtube.com/watch?v=5TiEVEn4TTY
   Misty Mountains: www.youtube.com/watch?v=BEm0AjTbsac

   
SHIRLEY BASSEY
Mas para não dizerem que tentei fugir dos assuntos do momento, aí vai uma boa lembrança. Já que Bond será homenageado no Oscar deste ano e já que estamos no carnaval, lembremos o tema do 11° filme de James Bond, 007 Contra o Foguete da Morte (Moonraker), de 1979. Neste longa-metragem, Roger Moore, na pele do espião britânico, vem parar no Rio de Janeiro em pleno carnaval carioca. Pronto, James "Oscar" Bond e carnaval. Destaque para a abertura, e claro, para a música, interpretada por Shirley Bassey, diva de um brilhantismo único. Eis uma mostra da diferença musical entre uma entediante tristeza e um regozijo inebriante.



CAMILLO LANDONI
N°55

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Prazer



assombrada. depois do silêncio, só o que se pode ser. enquanto encosto na face da noite e vou me digerindo, me digerindo, vagarosamente. assovio. canção perene das almas que se deitam cedo.  quantas repetições de mim? dentro, fora, ao lado, acima, abaixo, todos os abandonos que houver enquanto há olhos que batem, batem, batem. até o insuportável.  quantas repetições de mim? quase um grito, um rasgo. incestuosas repetições, o espelho do espelho do espelho do espelho, do espelho... ensaio barato de antropofagia, devoradora de todos os silêncios sem saída. sem cabimento algum. sem cabimento, eu, em desmedida, torta, puro efeito de tornar-se. eu, filha do medo de se abrir, flor do desamparo escancarado e morno. ventos. porque haveria de ser a tristeza assim tão escura? cor esgarçada pelo tempo. banzo. e o que seriam as metáforas perto dessa parede toda pichada de vermelho? indelicadeza, eu sei. mas o futuro é um desassossego, veja bem. e para trás, paz alguma vale. o que queria era então só rasgar tudo isso. e ir dissolvendo, gole a gole. palavras sem destino, estradas, verbo. invenções. tantas versões de mim e nenhuma delas cabe. as canções do silêncio me inspiram e me dizem sobre as vidas que ainda não vivi. alegorias, retratos, máscaras de comédia e medo, marcas, elegias. quantos caminhos se abrirão? a noite é imensa. esperemos, pois. o que nos aguarda o segundo depois do espanto. espasmos. mais uma vez amanhece e é tempo ainda de não saber. que seja.


* Imagem de fundo: Meditate, de Carne Griffits. Disponível em:
     http://carnegriff.deviantart.com/art/Floral-Explosion-

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

prosaicos amazônicos





No meio da sua praça, e de ambos os lados do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a cura das nações. Apocalipse 22.2.


sobrevoei a floresta amazônica
fiquei com a falsa impressão de que não havia desmatamento
tomado pela cegueira
não percebi o quanto era estreita essa percepção
quase do tamanho da janela do avião

a derrubada era longe daquele caminho percorrido
entre Manaus e Urucu
dava – se pelas costas
como de hábito agem os covardes

acontecia com as bênçãos dos insanos representantes do poder
gente que não tem vergonha de aparecer em público
em solenidades comemorativas
sendo capazes de plantar árvores ao som do hino nacional
como guardiões das reservas ambientais 

cada árvore derrubada
cada hectare de floresta transformado em deserto
cada tribo expulsa por grileiros e gado
cada morte repetida de Chico Mendes
registro da total incapacidade de respeito ao próximo.

que país queremos deixar de herança?
o país da mentira e da impunidade?
o que temos feito nos últimos trinta anos
para barrar esse crime anunciado?

remeto os versos prosaicos
como um grito para despertar consciências
e recuperar a dignidade dos povos amazônicos.


Flávio Machado

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Átomo e hiato



Por uma intervenção qualquer do destino, subtraí.
Esvaziei feito uma bola furada.
Fragmentei feito uma pedra lançada morro abaixo.
Quebrei em cacos do que foi, um dia, límpido cristal.
Arrebentei em fios esbagaçados do linho.
Cinzei o sangue do que foi um dia corpo.

Lacuna no rascunho da vida.

Deixe cair.
Deixe rolar.
Deixe arrebentar, explodir, atomizar.

Até os restos no final servem de adubo para o solo.
Portanto, tanto por íon, quanto por neutron,
ato e hiato de um mesmo drão, olhem pelo lado positivo:
fragmento arquetípico de um sítio arqueológico não descoberto,
protagonista ou próton me tornei.