domingo, 27 de janeiro de 2013

Submerso


- Sim, Clarice, nós ainda somos muito jovens...
- Eu queria ter 5 anos.

E ficavam a ralentar a nostalgia na suspensão de um passado perfeito. Pois não precisava ser perfeito, mas trazer uma atmosfera de um tempo passado, onde nada os preocupava. Na memória, estavam intactas as lembranças junto às criações que o tempo nos dá em liberdade. Tudo vira uma soma de algo que não existe, mas que aconteceu. Lá estão as noites de verão na varanda, a folia de Reis na madrugada - acordando a casa -, as tanajuras infestando o quintal em revoada, os olhos ardendo do sal do mar, os macacos brancos do zoológico. Esses macacos ficaram na cabeça como um marco de um contato com a natureza mais distante (de forma próxima), uma luz perfeita sobre a copa das árvores do local, o cheiro da água que levantava do tanque do hipopótamo.  

Mas ficou uma lembrança que eles tinham certeza de que havia acontecido: um dos macacos brancos falou com eles. Clarice que disse na hora, Marcos acreditou. Até hoje eles têm a certeza do fato. O macaco tinha falado sobre ter cuidado com os outros que se escondem na árvore pra roubar tudo o que existe. Não tinha muito nexo, mas aquilo impressionou profundamente.

- Um dia eu quero ser grande.

Falou, já adulto, sem compreender o que dizia. Clarice levantou os olhos e sentiu na palma das mãos a secura do tempo e não soube mais pensar com precisão o que é o tempo. A lembrança infestava sua mente como as tanajuras veraneias, morrendo vespertinas.

É um tempo sem tempo este que os habita. Um tempo onde as lembranças trazem a perfeição, pois o passado traz a base da felicidade que não tem volta. A felicidade nunca está lá na frente, ela já passou. Não tem mais jeito.

- Eu também quero crescer. Mas do jeito que eu era antes... como a gente era.

Qualquer lembrança era mera coincidência com o ocorrido. E vinha revestida de onirismo e demência. Toda a forma de se acessar o incrível lago submerso de nossa história é pura insanidade.


Marcelo Asth

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