quinta-feira, 25 de outubro de 2012

"FARSA"



FARSA

Aline Monteiro publicou este poema ( os 4 primeiros versos) no Facebook, assim que o vi, escrevi os últimos 4 versos, ela diz que é um outro poema, mas eu digo que é a continuação do outro.
E você leitor, o que acha?
 
 
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Desviei o olhar

Enxuguei o suor

Disfarcei o nervosismo

Menti um poema

 

 

 

disfarcei o suor

menti um olhar

desviei o nervosismo

enxuguei o poema.

Aline Monteiro e Dante Pincelli

 

2012

 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

sobre a canção de Bob Dylan



quase não sei o que dizer
a respeito de blowin’ in the wind
talvez tente traduzir a letra literalmente
sem importar a falta de sentido
soprando ao vento

apenas ouvir a voz anasalada do cantor repetir
sem contar quantas vezes
blowin’ in the wind

sentir o ar na penumbra do quarto
esperando a inauguração do dia
a festa silenciosa das luzes
movimento crescente de máquinas e gente

e confessar
o quanto isso deixa comovido.


Flávio Macahdo

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Hot Space, o pior álbum da 'Rainha'?




 
Antes de rever os últimos posts que escrevi, eu estava... Perdido? Escrever o quê? Sobre o quê? Para onde ir? Vou em frente? Volto atrás? Fico onde estou? Mais dois segundos e me achei. Só precisava mesmo retomar a boa rotina de “Autor SA”.  E daí o post da volta: por que não sobre quem se perdeu? Na história da música há muitas perdas. Não, não falo da morte propriamente, mas sobre capítulos que nos fazem questionar se fariam realmente falta caso não tivessem sido escritos e publicados.

A premissa para se perder amanhã é saber onde estamos hoje, ou para onde precisamos ir; portanto, não haverá lugar aqui para quem nunca se encontrou. Então vamos agora começar a conhecer ou recordar alguns dos perdidos mais gloriosos da história da música.

Muitas foram as bandas de Rock dos anos 70 (do século XX, tá?) que ao cruzarem a fronteira dos 80 sacaram sem pudor as credenciais do Pop.  O Queen não fugiria à essa regra, lançando neste período álbuns recheados de sintetizadores e músicas dançantes. O alvo do presente post é exatamente um destes discos: Hot Space, lançado em 1982 e considerado por 10 entre 9,8 ouvintes, entre fãs e simpatizantes do Queen, o pior trabalho da banda britânica. Pop demais para uma banda de hard rock? Quem acha isso é porque nunca conheceu Queen de verdade, pois ela sempre esteve além do gênero que a consagrou. E só por preciosismo, a banda é britânica, não inglesa, pois Freddie Mercury não era inglês, uma vez que sua origem nos remete a uma das ilhas do arquipélago de Zanzibar, que foi colônia da Grã-Bretanha entre 1919 e 1961 e hoje é território da Tanzânia.


Não deixa de ser coisa do senso comum considerar a “interferência” do Pop nas tavernas do Rock um evento histórico, com marcos didaticamente definidos, porém, nos aproximando mais dos fatos somos capazes de ouvir admirados (é por minha conta) um Judas Priest ‘coverizar’ Fleetwood Mac, ainda em 1978. É só um exemplo entre tantos outros de que o rock pesado nunca foi uma terra insular, banhada por um oceano de solitária e arrogante superioridade. Apesar disso, a maior parte dos críticos, dos fãs e até mesmo a própria banda, dizem, relegaram Hot Space ao “quase” esquecimento. Juntos, críticos e fãs exilaram este que é o 10° álbum da carreira do Queen, transformando-o numa ilhota insignificante sempre afastada dos melhores, dos mais famosos e dos clássicos. Mas, contrário a toda crítica especializada e a todos que o menosprezaram, Hot Space é um tesouro a ser ainda descoberto, 30 anos após seu lançamento. Deve ser mais do que ouvido como um eco crítico (é o pior-pior-pior), deve ser lido na sua intrínseca musicalidade, a despeito de suas possíveis relações com a história do rock. Apesar de todas as complicações interpessoais e políticas que envolveram a gravação deste álbum, Hot Space é um primor de produção musical. Sessões de baixo maravilhosas, que não desmerecem em nada o notável talento de Jonh Deacon. A voz de Freddie Mercury esbanja versatilidade e brilhantismo. “Cool Cat” é uma das melhores peças já produzidas pela banda. Nesta música a voz de Mercury consegue superar o que pensávamos conhecer a respeito dela. “Put out the Fire” e outras músicas deste álbum são infinitamente melhores que “We Will Rock You”, por exemplo, mas é claro que os que consideram a história acima de tudo execrarão minhas opiniões.


Em suma, ao contrário do que 99% (chute?) dos críticos consideram, Hot Space não se resume à sensacional e renomada “Under Pressure”, que encerra o álbum. Ao contrário da opinião da maioria, este não é o pior álbum do Queen, é sim o mais injustiçado e precisamente uma delícia de se ouvir.      


Link para ouvir o álbum completo: 

 http://www.youtube.com/watch?v=8WWCtz57JQY




  
Camillo Landoni



                                    
    

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Pista Vazia


Neste post teremos, especialmente, um conto do professor Reinaldo Kelmer, que, de vez em vez, nos brinda com seus ótimos contos aqui no Autores S/A. A seguir, o texto do nosso sempre nobre convidado, intitulado "Pista Vazia". Boa leitura a todos.



A vida é, de fato, uma questão de prisma. Não consigo entender os homens, tampouco me colocar no lugar deles. Será tão difícil nos compreenderem um pouco? Olham sempre para o próprio umbigo; seu mundo resume-se aos seus interesses. Já me cansei. Namorei algumas vezes e não fui rigorosamente seletiva; aliás, deixei sempre meu coração me guiar, me iludir, me enganar. Fui livre, às vezes, e perdida, na maioria. Sei que não interessa ao leitor saber detalhes da minha vida, mas acordei com vontade de falar, de me expor, de abrir o caderno das paixões, para ver se me entendo mais.
Se não sou propriamente uma defunta autora, já morri para os sentimentos e, por isso, distante, fico à vontade para dizer tudo. Não me interessam mais as coisas do coração. Fui tola muitas vezes quando dava corda às canções, aos poemas, aos filmes românticos. Via-me nas cenas, nos versos. Caí. Vejam só, meu último relacionamento foi um soneto mal acabado, com rimas pobres. O sujeitinho era sempre reticente, não sabia o que desejava da vida, não tinha um objetivo direto, nem mesmo indireto. No fundo, tudo era indeterminado em nosso relacionamento. Tive dúvida, até mesmo, do gênero dele. Ainda hoje me pergunto se ele era ou não bitransitivo. Apesar de um nome grave, Normando era literalmente agudo. Eu hiperbolicamente apaixonada e ele conciso e ambíguo nos sentimentos. Mas felizmente acabou; pus um ponto final na relação.
Na adolescência, conheci um rapaz muito tranquilo e honesto. Participava de um grupo jovem na igreja do bairro. Conversávamos sobre o mundo, as virtudes da vida, as tentações; porém, terminávamos em longas ave-marias. Queria conhecer melhor os prazeres, mas ele me dava sermões de comportamento, e eu escutava longas ladainhas sobre certo e errado. Desfiz as contas e o deixei. Foi quando conheci Carlos Fortuna, gerente de um banco, homem bem vestido e altivo. Impressionei-me de cara. Que postura! Ao contrário de Zé Bento, Carlos sempre investia, era arrojado, agressivo, sempre em alta. Por mais que tentava ser cautelosa, acompanhava a movimentação. Um belo dia, resolvi fazer uma surpresa e apanhá-lo no banco para um namoro no almoço; estava com superávit de saudade. Não o vi e perguntei a um funcionário pelo gerente Fortuna. Ele me disse que havia saído para almoçar com uma cliente. Procurei pelos restaurantes vizinhos e o encontrei numa mesa, juntinho de uma bela cliente, fazendo novos investimentos. Na hora senti uma desvalorização; tinha ido para o vermelho sem aviso prévio. Eu que pensava ser nosso relacionamento uma aplicação segura.Fechei a conta.
Pensei não mais amar ninguém. Nem havia passado da juventude e já não via futuro estruturado, desenhado e bem planejado. Cogitei até dar chance a Pedro, estudante de engenharia, jovem promissor e sério que conheci pela internet. Pensei em um futuro construído em pilares sólidos, estrutura familiar firme. Mas estava desestabilizada, frágil; nada em minha vida parecia ser concreto, apenas andaimes inseguros. Hesitei em construir em terreno desconhecido e não tive coragem de entrar em uma nova empreitada.
Depois de Pedro, Jorginho também tentou, mas entrei logo de sola e o mandei para escanteio. Não queria nada com trabalho; sonhava com a seleção, com campeonatos, com títulos. Não há dúvida de que tinha talento; no entanto, não é fácil ser jogador de futebol profissional. Ele até conseguiu, mas terminou em um clube de Campinha Grande, na Paraíba, sem muito sucesso e com pouca grana. Não conseguiu seu pé de meia, apenas marcas de cirurgias e de pancadas.Quando pendurou a chuteira, desconhecido e sem alternativa de trabalho, voltou para o Rio. Hoje tem um botequim lá no bairro onde nos criamos. Ainda bem que não entrei no jogo dele, vi que era contrato de risco, senão estaria em um boteco cheio de fotos antigas e recortes de jornal, servindo bebidas e salgadinhos e ouvindo histórias de futebol.
A vida seguiu e, finalmente, pensei: agora vai.Comecei a trabalhar em uma montadora de carros e tive condição de buscar meu sonho: a faculdade de Direito. Os primeiros anos foram muito bons. Trabalhava com dedicação e me empenhava nos estudos. Os resultados eram sempre positivos no trabalho e na faculdade. Finalmente havia me encontrado na vida; uma realização plena. Estava satisfeita. Contudo, as flechadas do cupido insistem em desestabilizar as pessoas. Por que insistimos em sentir falta de alguém ao nosso lado? Poderia ser uma amiga, alguém da família; mas não. É a tal da carência? Da própria existência humana? Foram feitos um para o outro homem e mulher? O que interessa é que senti a ponta afiada da flecha me tocar. Pior de tudo, duplamente. Vocês me dirão: não se serve a dois senhores ao mesmo tempo. No entanto, um completava o outro. Entenderão o que digo.
Comecei a estagiar no fórum da cidade. Foi quando Luís ingressou com a ação de amar. Seu olhar era firme na convicção de pedir. Sabia fazer isso muito bem. Quando, pela primeira vez, paramos para conversar, ele me convenceu com um argumento muito bem articulado de que havíamos nascido um para o outro. Não demorou muito para que me persuadisse a almoçar com ele e, logo depois, no final de semana, estávamos juntos em um hotel no litoral sul do Rio de Janeiro. Sem contestação, finalmente me encontrei amparada, num relacionamento justo. Foi assim durante os primeiros meses. Luís era um homem muito ocupado. Trabalhava muito no fórum e levava vários processos para casa. Às vezes, viajava, dizia ele, para resolver outros processos. Uma petição aqui, um contrato ali, uma audiência lá. Assim as causas iam se resolvendo e se desdobrando. A justiça, por vezes, é cega. Luís foi me deixando, foi prorrogando nossa ação amorosa. Justamente nas brechas deixadas pela lei do homem, entram as interpretações. E foi assim. Justino trabalhava comigo e frequentemente levava para ele as ordens de serviço. Era um mecânico forte, alegre e franco. Não era muito polido, mas não chegava a ser grosseiro. Olhava-me com admiração, mas respeitava. Usava uma aliança grossa na mão esquerda. Um dia, porém, ele me olhou de baixo para cima, de cima para baixo e me disse: “Dona, a senhora é muito bonita e atraente, mas acho que não está recebendo o trato que merece”. Assustei-me e afastei-me imediatamente. O curioso é que não repudiei o comentário, apenas refleti.
Passei alguns dias pedindo a outra funcionária que levasse as ordens de serviço, pois não queria contato. Depois de alguns dias, voltei eu mesma para levá-las. Seu Justino, o senhor é casado? Sou sim, senhora. Tenho dois filhos. Por que o senhor me disse aquilo naquele dia? Dona, percebo de longe quando uma mulher não é bem amada. E a senhora merece ser. É só me dar chance. Saí dali mais pensativa ainda e, confesso, excitada. Conversamos mais duas vezes e, naquela semana, saímos mais cedo e nos encontramos juntos em um motel de terceira categoria dos arredores. De fato, a pegada de Justino era firme. Segurava-me e apertava-me tal como eu o vi fazendo no trabalho. Era para ele uma máquina que precisava de ajuste. Sentia o sangue correr quente em minhas veias como óleo lubrificando os motores. Fazia tempo que não fazia uma revisão completa. Valeu o check-up. Saí refeita e satisfeita pelo serviço daquele mecânico.
Assim, vivi duplamente durante seis meses. Amava meu doutor, apesar de pouca atenção, mas adorava a retífica semanal. Conforto e satisfação me completavam. Até que um dia Justino foi demitido e nunca mais o vi. A monotonia tomou conta de mim e resolvi uma separação amigável com Luís. Além disso, o estágio terminara , estava formada e precisava caminhar só. Luís me ajudara bastante com conhecimento e indicações. Foi um estágio vantajoso. Chegamos a um acordo e encerramos a causa.
Desse modo, errante fui-me construindo. Casos e descasos, encontros e despedidas, paixões e agruras; na verdade, mais dissabores do que sabores. Entre tantas, conheci Cunha, sargento da polícia. Era uma das suas, não a preferida nem a desprezada, mas uma delas. Quando me queria, me procurava, insistia, ameaçava; depois, voltava à grosseria, ao descaso. Isso não era privilégio meu, pois todas tinham o mesmo tratamento. Para conquistar, se controlava e até tentava um comportamento polido e culto, depois controlava as ações e as manobras eram de acordo com o interesse e a necessidade. Era uma espécie de tática, espírito policial. Sentia-me presa não por vontade, mas por um misto de medo e fetiche. Por fim, senti ter cumprido minha pena e libertei-me.
Às vezes buscava o oposto para curar-me. Quis alguém delicado, carinhoso, dedicado. Não foi difícil encontrar, homens estão aí aos montes. Pierre era isso. Demorou semanas na conquista, e outras tantas para a intimidade. Levava-me ao cinema para filmes clássicos; depois íamos a restaurantes finos. Nunca me deixou dividir a despesa. Apreciava bons pratos e boa música. Em sua casa, preparava pratos delicados e deliciosos, sempre com música ao fundo. Prezava pelo tempero exato. Cozinhar era invenção e magia; bastava saber combinar as poções. Dizia sempre que preferia pecar pela falta de sal ao excesso. Mas quem é que não gosta de algo picante vez ou outra? Senti falta de um tempero mais forte, de uma dose extra de pimenta, de um molho ao vinho tinto. Deixei-o num jantar perfeito ao som choroso deNina Simone: “I put a spell on you”.
Agora, vocês já sabem, fechei-me para organizar minha vida. Desejo paz e tranquilidade, para decidir meu caminho. Não disse sim nem não ao Lucas; não dei esperança, mas disse-lhe que as portas do coração estão encostadas. Ele, cardiologista, disse saber abri-las; possui chaves. Não quero mais batidas descompassadas que só trazem dores de cabeça. Quero me curar de vez. As paixões me trouxeram efêmeros prazeres e gastrite constante. Noites alegres e noites de insônia. Enchi-me de remédios inúteis. Agora me vem um especialista em saúde, para mexer com minha cabeça e com meu corpo de novo.  Ainda é cedo para qualquer decisão, mas o médico parece manter a mente sadia em seu corpo sadio; tem espírito saudável. Não consegui ainda examiná-lo a fundo, pois nos encontramos apenas três vezes, teclamos algumas palavras e nos falamos pouco ao telefone. Só uma anamnese dirá ou esconderá quem somos. É muito difícil um raio X da vida.
E por falar nisso, na semana passada, quando viajei para realizar um curso em São Paulo, conheci Ícaro Soares, um aeroviário muito interessante. Fui bem tratada; pareceu-me um pouso seguro.  Pois é, o que fazer? Fico esperando a vida decolar de vez, mas ainda sou pista vazia. Na verdade, não sei se sou a pista que espera ou a nave que procura.No confuso tráfego aéreo, busco um céu de brigadeiro e uma rota segura. Para onde voar? Qual meu destino? Com quem? A viagem é incerta; porém, para garantir, já marquei minha consulta e já fiz meu check-in.

Rio, 08/09/2012.
Reinaldo Kelmer