Pseudônimo:
Machado Quintana
Título:
Embornal
Abro
por descuido o armário que abriga infância
deparo-me com o embornal verde musgo
meio marrom, meio ferrugem, meio saudade.
Hoje não houve pressa pro trabalho – a hora se perdeu
o embornal e eu sentados nos olhando
lambaris, carpas e cascudos a foliar
em minha cabeça
me fazendo menino de novo
Hoje não havia a caixa verde que girava
nem anzóis de todos os tamanhos...
nem tarrafa, gosto de chumbo na boca, cheiro de peixe no ar
escamas grudadas na faca de cabo preto
no meu cabelo, no meu peito
não havia fogareiro
nem dedim de cachaça escondida do pai
nem barulho de rio entrando na fresta da janela
Variante grená.
Hoje
nem vagalumes, nem barulhos estranhos,
nem papo besta de homens embriagados, gargalhando
nem meu pai estava aqui
nem meu irmão...
muito menos o menino que fui eu...
O embornal estava,
velho, puído... Cheio de histórias!
preciso perder mais vezes a hora do trabalho...
preciso guardar as lembranças de novo
e de vez em quando sorvê-las...
Preciso das saudades
no mais... Nada... Nada... Nada...
peixe solitário...
Pseudônimo:
Assombro
Título:
Sussurros
Há
uma voz infinita
em toda palavra morta
busco nas vertentes
na galharia torta
nas sementes
o eco
quem sabe encontre nos charcos
nas tumbas ou nas taperas
no começo de outro mundo
vagando
no vazio imenso
o verso
Pseudônimo: Manoel Helder
Título: Sombra de Sal e Silêncio
Não dizer palavra...
Deixar o silêncio plantar sua nódoa
na cinza dos olhos.
E uma sombra há de vir,
insustentável,
e despojada de dor e remorso e cansaço
trará numa das mãos linho novo,
alfazema;
na outra, conchas de praia deserta,
frutos da estação,
e ainda sem dizer palavra
acenderá os cílios com o sal das águas
de uma outra concha,
essa mão que rasgará silêncios,
tatuando na pele uma palavra gasta.
Pseudônimo: Ocelot
Título: Sinos
pain, pain, pain, pain, pain
toca o sino pequenino
oposto ao de Belém.
o amor está noir.
Pseudônimo:
O Matemático
Título:
Ponte Rio-Niterói
atravesso esta ponte
na intenção de fazê-la, um dia,
tão pequena quanto se queira;
dá-la-ei caráter tão infinitesimal
que cruzá-la será
como um piscar de olhos,
um leve cochilo descompromissado
à estrada-beira:
fato é que me parecerá
tão estupidamente ligeira,
que não saberei,
em vista primeira,
se fora a ponte reduzida em dimensão
ou se meu amor tomara tamanha proporção,
que atravessasse,
num ínfimo instante,
esta enorme fronteira.
Pseudônimo: FlorDensa
Título: Controverso Purpúreo
Na minha boca úmida
De tanto delírio e símbolo
As palavras se ressecam
E quebram
Como fragmentos de folhas secas
De memória e imagens
Um quebra-cabeça
Que pede para ser montado
Os espelhos brilham
As janelas pensam turvas
Minha cama gira
E o álcool me faz refletir
Sua boca abre purpúrea
Borboletas saem
De sua língua
As estrelas estão rindo de nós
E eu ainda me assombro
Na noite de seu olhar...
Pseudônimo: Maria Flor
Título:
Patchwork
Cá com os meus botões
Alinhavo sentimentos rotos
Num emaranhado de cores
Desafiando o tempo e as diretrizes
Abarrotadas de promessas descumpridas
Cinzas de um carnaval vencido
Sem data
Sem valia
Com linha de cor forte
Cirzo as emendas do ontem
Num tecido fino de espera.
Desenho arabescos
E sigo o ponto atrás das correntes
Sem nó
Sem dó
Cá com as minha duvidas
Teço os dias e desfaço as noites
Com agulhas impiedosamente cegas
A rotina sangra-me as mãos
Sangrando continuo
Sem prumo
Sem rumo
Pseudônimo: Alice Lobo
Título: rascunho do mar
aos dezesseis anos
fui presa
por ter violentado o mar.
o mar.
a boca, imensa
cuspia farelos de coragem
e maresia
meu medo
joguei aos peixes-surdos do mar
arranquei com os dentes
o silêncio,
inaudível e vermelho,
do mar.
aos vinte e três anos
tingi os frágeis abismos
de areia que separavam
minha cela
do mar.
costurei
labirinto para desmanchar
em tons de francisco
o espelho dourado
da água salgada
um sonho passou, deixando fiapos.
agora,
de tempos em tempos,
o mar vem me visitar.
Pseudônimo: R. Days
Título: O Verbo
Atado
à carne:
O verbo,
Inexatas palavras decifrei
O que sinto
Não falo;
Febre todo dia.
Atado à corda:
O verbo,
Que a mão
Ampara ou enforca?
Segredos da alma invoca;
Febre todo dia.
Pseudônimo: Tonico Vieira
Título: Mata
dentes rangem
na floresta
coruscante
o verde escorre da serra
Pseudônimo: A.S.M. Spindler
Título: Chef!
Tempero
a folha
- com travessão, vírgula e ponto.
Levo ao fogo e... Pronto!
Sento e degusto
um poema apimentado.
Pseudônimo: Nando Meikoloski
Título: Gangorra
Isso
de não saber ser rio
(só saber ser fonte
ou um vasto mar),
eu bem sei que, cedo ou tarde,
ainda há de me matar...
Isso
de não saber ser safra
(só saber ser seca
ou inundação)
torna certo que irá morrer
de fome o meu coração.
Pseudônimo: Sonhador
Título: À noite, perto de um
pessegueiro
Uma
paz tão repleta revelou-se
na serena oração do teu silêncio,
que secretas estrelas o céu trouxe,
e ao sagrado luar reverencio.
Não fala ainda, deixa o não dizer
das coisas traduzir o infinito,
guardemos nossa voz pra compreender
frases que nossas almas têm escrito.
E estrelas escondidas num celeiro,
cobertas por lençóis esbranquiçados,
podem ser encontradas e entendidas.
E as frágeis flores desse pessegueiro
sussurram que, em silêncios abraçados,
há mil frases de amor subentendidas.
Pseudônimo: Sabiá
Duqueza
Título: Não carece
ler o poema
Ler poema é maçada
é coisa que não carece,
se há poesia em cada esquina
onde o vento passa, sopra e se esquece,
lá no além do horizonte
onde o sol desponta,
resplende e falece
ler poema
é coisa que não carece
a natureza em si - com seus raios e bentivis - já é das poesias a mais sublime
que já li
carece é ler a pedra
ler de tal maneira a pedra
que passe a se sentir pedra
sua pulsação secreta, seu grave silêncio,
seu coração adormecido
carece é ler, reler e tresler a flor
e sentir de tal maneira a flor
que passe a sentir-se flor
suas pétalas oscilando
dançando com os ventos
seu pólen, sua cor.
"eu sou um ipê amarelo
ipê cujo o sol encharcou
respingando em gotas seus raios
onde uma borboleta pousou"
mas se poema é coisa que não carece
porque - afinal de contas - escreveu o
poeta,
e porque tu leu - desocupado leitor?!
Pseudônimo:
Vernáculo
Título: Vestígios
Trago na estrada do olhar
as sandálias do tempo
Com as gastas solas
de muitos verões
Semeei rastros
E asas-mudas cultivei
nas (en) costas
do dia
A planta dos pés
floresceu penca de nuvens
Folhaves repousaram
seus cantos verdes
em minhas amadurecidas mãos
Seiva e girassóis calcei
para sempre estar presente
em todos os hortos
frutificando risos
como chuva no chão
Quando a tarde chegar
sombreando os quintais
e meus calcanhares ruírem
ante o peso dos anos
de pé permanecerei
para colher os espinhos
que me feriram
Talvez afofe a terra
e descalço
indague enfim
à noite
Em que calejada estação
meus pés
juntos
se calaram.
Pseudônimo: Aprendiz
Título: Dicionário
Vindo da uva, vinho tinto,
Quebra do ovo, vida do pinto,
Busca do álcool, alcance da fuga,
Sina do copo, bebida à culpa.
O risco que desce o rapel,
O risco que mancha o papel,
O que descreve o próprio umbigo,
O que escreve o ambíguo.
A pele da presa na unha do predador,
A fé presa na palavra do pregador,
O peso da amizade que se preza,
O preço da novidade que prega peça.
A venda que cobre os olhos do vendado,
A venda que cobra o valor do vendido,
A escolha que provoca o rejeitado,
A escola que promove o escolhido.
Ter sorte pra ser mais amado,
Ser forte pra ter menos risco,
A fala que manifesta o falado,
A falha responsável pelo falido.
O freio da beleza, baque da imagem,
O feio da leveza, peso sem gravidade,
O feito certeiro e ultrapassado virou “ex-ato”,
O defeito, eterno condenado, foi humanizado.
O desejo tímido é “sub-atração”,
A antipatia em demasia é “multi-implicação”,
A atitude, nua, sem endereço, não alcançada,
A altitude do baixo da rua pro tropeço no engano da calçada.
A palavra que, distraída, emudece o ato,
A razão que se diz traída, muda o que falo,
O som da palavra que combina...
Equivale o poder da rima.
Pseudônimo: Mané
Título: Ceia
O
sol espreguiça-se
Expande quilíferas
Transborda em teias de luz.
A noite, viúva negra,
Devorada iguaria
Perde a cabeça
No banquete do dia.
Pseudônimo: Pietro de Aragão
Título: Ser tão severino
Severino Silva sela sua sela.
Sol sertanejo, sem sombras suas.
Sacia o suor, semblante sofrido,
sente-se sapo ao sal sufocante.
Severino senil sobe em sua sela.
Segue só sentindo o seco daquela
saliva, sem soro ou sumo, sofrendo
da sede seculares sequelas.
Severino sangra sonhos sublimes.
Sertão e a sua seca sibilina.
Cego cede ao sol, sem sorrir, em silêncio,
e a sua Santinha sincero suplica.
Socorro, Senhora do seu Sertão sofrido!
Sinos sensíveis sibilam suspensos
Soltam-se sabiás, some a sequidão.
Os sons da chuva sossegam sãos
Sob a sola do sapato sementes surgem.
Seu Severino cedo sai sozinho
Sabe saudável a sua situação
Sugando, sorvendo a seiva do solo.
Sentindo o silêncio sombrio do Sertão.
Pseudônimo: Matilde Daruné
Título: Palavra-Tempo
Folha em branco
Tempo é pouco
Palavra seca
Som é oco
Folha vazia
Tempo é curto
Palavra fria
Som é mudo
Folha torta
Tempo é escasso
Palavra morta
Som no espaço
Folha incerta
Tempo à toa
Palavra quieta
Som destoa
Folha aberta
Tempo é raro
Palavra desperta
Som é claro
Folha esquenta
Tempo voa
Palavra adentra
Som ecoa
Folha ativa
Tempo pára
Palavra viva
Som dispara
Folha escrita
Tempo acalma
Palavra grita
Som é alma
Poesia é o som da palavra-tempo que sai da folha.
Pseudônimo: Barolo
Título: O espelho de Lori
Lori
tinha um espelho
em que sua imagem tremulava.
Mal se via,
mal compreendia,
por que sobre ele se curvava.
Sempre tão linda,
sempre tão ela,
tão forte,
irrefreada,
naquele espelho se perdia,
em suas bordas se escorava.
Espelho fluido,
espelho fétido,
era nele que despejava
suas mágoas
suas entranhas,
sua estima abalada.
Mas
eis que um dia de tão cansada
da própria imagem vomitada,
pôs-se de pé,
lavou a boca,
abaixou a tampa,
puxou a descarga.
Pseudônimo:
Per-verso
Título:
Per-versa
Ninfa,
Cabelos como chamas, bunda como sorri
Corpo inteiro em frenesi.
Maníaca,
A língua introduz o tapete vermelho
Explodem dos olhos lágrimas brancas
Oscula com o cu
Vadia com a vagina
Clama com o clitóris:
Priapo, ora por nobis.
Buraco negro via láctea
Une o verso em comunhão
Todo gozo que excede
É vício pela perversão.
Pseudônimo: Anna Lisboa
Título: Ela do beco
Anônima e solteira
Parecia assegurar-se de um romance
Nadava sem roupa
Sem seios sugados
O tempo passava bordado
Preferia os fuxicos coloridos
Criados pelos dialetos de overloque
Nem mais, nem menos linda
Apenas mulher, aliás, infinda
Detestava claridade
Barulho
Sorvete de lucidez com pistache
A lucidez lhe atacava o fígado
Mas adorava a novela das 08h59min
Pena ter perdido seu último capítulo
Ela do beco
Eu dela
Sem saída.
Pseudônimo: Gzin
Título: Canto da página
No canto da página
Um canto torto, áfono.
Uma borda (re) virada,
Orelha (ab) surda,
Sem dar ouvidos
A nada!
No canto da página,
Aba que desaba
A linha da vida.
Indefinida.
Interrompida.
Uma pauta
Iletrada,
Sem assunto,
Sem nada!
Um vão simétrico
Milimétrico,
Quilométrico,
Nas entrelinhas
Do dia.
E mais nada!
No canto da página,
Plangente alta-alvura.
Ansiedade folheada à procura
Da canetada perfeita,
Da grafitada explosiva,
Da ideia fluida,
Da eclosão de cada um dos sentidos,
De todo o sentimento,
Da sua íntegra transcrição.
Uma mancha ínfima que seja
No papel da história.
E nada de nada!
No canto da página,
Quantas arestas
De uma melodia vazia,
Entaladas
Na quina da garganta
Que regurgita
Suas ausências
Assim do nada!
No canto da página,
Simplesmente
Um branco pleno, eterno,
Ainda a ser rascunhado,
Preenchido
Pelos seus encantos
Ou, por que não,
Seus temíveis desencantos!
Mas, que nada!
Pseudônimo: G.D
Título: Extra-Extra
Palavras
estupradas!
encontrado na calçada,
O poeta de pé,
cara suada e calças
ainda arriadas.
Pseudônimo: Maria Miranda
Título: Velhas Unhas Vermelhas
"Borboletas na barriga,
pobrezinhas.
As que não se afogaram na cerveja,
sucumbiram ao antiácido."
Desde o princípio
soube que haveria um meio
Aquele sorriso
que me enlaçou a cintura
Pronto! Toda sua.
A gente se excitava,
gritava exclamações
e deflorava rosas
num bem-me-quer infinito.
Havia musicais
e nenhuma dor nos meus ais
Tínhamos cama
e você me comia
sem nenhum pudor.
E então...
Véu, grinalda, igreja
E tempo.
E passamos a encontrar
flores de seis pétalas
Nunca mais bem-me-quer
Gemidos viraram interrogação
A cama ganhou colcha rendada
Meus ais, frustração.
As promessas ficaram pesadas
O fado virou fardo,
coisa que não sei dançar.
O amor rodopiou e caiu tonto
No tombo quebrei a cara
e te arranhei as costas.
Promessas impostas
Felicidade ao revés.
Pseudônimo: Lobo do Mar
Título: Fugindo numa tela de Van Gogh
Cansado das vãs teorias,
busco a letargia
dos alienados felizes.
Não quero saber da política,
viro as costas ao feio
e à hipocrisia.
Entrego-me à incoerência;...
só vou ouvir os pássaros
e apreciar as orquídeas!
Chega de tantas mentiras,
da esperança perdida
da pesada leitura.
Fico à margem dos dias,
da falsa engrenagem
das tristes notícias.
Cedo-me à ignorância;...
só vou ouvir os pássaros
e apreciar as orquídeas!
Farto das ideologias,
dos beijos de Judas,
das falas prolixas,
renego as tramas noturnas,
as turvas matizes
e as falácias da vida.
Rendo-me à intolerância;...
só vou ouvir os pássaros
e apreciar as orquídeas!
Pseudônimo: Fowl
Título: Sujeito Imperfeito
Disseram-me
que era feio
Hipócrita, desleal e equivocado
Um completo desamparado
O excluído deste meio
Conheci-o nesses dias
Em uma tarde de euforia
De passagem, quem diria
O sujeito imperfeito
Vasculhei a sua alma
Com calma, sem pressa
E descobri a grande peça
Mentirosos asquerosos
Mudam-lhe a face, criam um nome
Sem mostrar, de fato, o homem
Pseudônimo: Poema
Título: Psicologia de uma
composição
Eu
sou filho do som e do sentido,
sou fingidor que nunca será nada,
sou trezentos, trezentas e cinqüenta,
sou, do verso alheio, o pirata.
Uns tomam éter, outros cocaína.
No meu leito de linhas, bebo versos
alheios, os melhores violinos
das cavernas de um cérebro binômico.
...ecos longuíssimos se confundindo...
Sob essa face neutra, tenho mil
faces secretas tecendo a manhã
e o tropel cabalístico da Morte.
Não sou alegre, também não sou triste.
Eu nasci nu do sono. Sou poema.
Pseudônimo: Artemis
Título: Ainda que...
Ainda
que medos houvesse, e receios,
E com eles bifurcações em desalinho,
Eu faria dos inteiros, os meios,
E dos meios o caminho.
Ainda que do caminho se fizessem
Sentimentos vis e mesquinhos
Eu extrairia deles duas preces
E das preces, passarinhos.
Ainda que nos passarinhos eu vislumbrasse
Uma dor que anda sem identidade
Eu faria dela um origami
E deixaria que a corrente carregasse.
E
se por acaso
A luz me faltar na hora exata
Em que eu deveria sobrepujar
A angústia da mortalha
E a barreira do pesar
Farei de suas mãos os meios
Para atingir minha moradia tão sonhada
Na qual eu possa ali deitar
O cansaço que corre em minha veia
Por alguns segundos pequeninos
E sentir passar minha vida inteira
Como um passo de valsa
Ao som dos violinos.
Pseudônimo: Celacanto
Título:
Tarde vazia
A
gaveta lacrada no quarto escuro
Estrada de fluxo fático
Veneno lisérgico da tarde
Devorando entranhas estranhas
Tamanha pessoa fosse
Face nos lençóis amassados de ontem
Ela descasca romãs maduras
Pseudônimo: João do Lago
Título: como se minhas palavras
queimassem tempestades
como se lambesse fogo
chamasse ar
olhasse chuva
ouvisse estrelas
cantasse lua
falasse chão
tocasse noite
pedisse sol
como se bebesse amor
como se sentisse palavra
suspirasse dor
observasse vento
reclamasse sonho
chorasse vida
plantasse nuvem
colhesse cometas
como rezasse amar
como se abençoasse céu
engolisse oceano
cantasse silêncio
perdoasse saudades
afogasse solidão
revirasse beijo
como se viajasse verbo
como
se ardesse vinho
batizasse rio
andasse ilha
pintasse voo
como se dançasse água
como se pedisse adeus
como se sofresse pedra
como se amanhecesse sombra
como se anoitecesse pão
como se te amasse oceanos
como se eu te chorasse luas
como se parisse astros
como se afagasse luas
como se sentisse outonos
como se dedos rabiscassem prazeres
como se os lábios gozassem chamas
como se flutuasse ausência
como se costurasse lamentos
como se recortasse vulcão
como se prendesse déjà vu
como
se tatuasse arrepios
lambesse frêmitos
expulsasse lavas
como se pintasse uma prece na tua nuca nua
minhas mãos te falassem suores
meus sussurros te tocassem alma
minha língua te traduzisse gozo
como se as velas se rendessem ao sopro do olhar
como se os olhos pedissem teus sonhos
como se meus beijos te digitassem poemas
como se teu corpo falasse chamas no inferno dos dedos
como se socorresse teu rio
como se aliviasse o peso de tuas lágrimas
Pseudônimo: Allived
Título: Abissal
Em
lamento profundo
Choro pelos moribundos,
Que nas calçadas da sorte
Agasalham a fome
No seio da morte.
Pranteio pela angústia
Do pai pela prole,
No riso que chora
Pela esperança que esconde
O fel que engoli.
As lágrimas que encharcam
Os restos das guerras,
São tristes monções
Que sopram uma paz
De amargas mazelas.
E na abissal cobiça
De o imprescindível querer,
Questiono a triúna
Que outrora existia
Na essência do ser!
Pseudônimo: Charles Controle
Título: Anfitrião Ausente
Ausentei-me
de casa
Lotaram a sala
Pés dão boas-vindas
Vieram todos me ver
Não vieram ontem
Hoje apenas
Vi a cena do anoitecer sozinho
E quando escureceu
Vieram todos me ver
Os sonhos deixei de herança
Ao meu amigo
Que ficou comigo
Quando eu não estava mais
Lotaram a casa
Vieram todos me ver
Ritual de vir e de ver
O devir cansou
O dever de casa
Sou o inesquecível relembrado
Num empoeirado álbum
Sem filme queimado
Vieram todos me ver.
Pseudônimo: Pedrita
Drummond
Título: Fluxo
O corpo frio
Estendido
No asfalto
Quente
Interrompeu
O trânsito,
Interrompeu
O sol,
Interrompeu
O jantar
E a alegria
Que ainda surgiria
O corpo
Só não interrompeu
Minha poesia
Pseudônimo: Luiz da
Guia
Título: Para O
Verso
Para o verso - a rima
Para o sucesso - o prêmio
Ao meu fracasso - a sina
Para a escrita - o gênio
Para o verde - o mato
Para o corpo - a dança
Ao argumento - o fato
Para a vitória - a lança
Para o cinza - o breu
Para a pele - a sombra
Ao teu amor - o meu
À tua droga - a lombra
Chega de até - o adeus
Chega com fogo - a chama
Aos meus carinhos - os teus
Junto aos meus pés - a lama
Quero poder - o lixo
Para o orgasmo - a cama
Ao meu ouvido - o grito
Toda comédia - o drama
Vamos tentar - o novo
Vamos sorrir - a boca
Para o engano - o povo
Toda miséria - é pouca
Pseudônimo: Lune
Título: Conjunctio
crua a carne que me sacia
vermelha
obelisco que a boca suga e regurgita
em branco, em ânsia, em pressa
crua a carne que me lavra
morna
insone que me adentra e desabita
em riste, em sede
sismo.
Pseudônimo: Peter
Pan
Título:
Bois e pássaros
Conhecer
as encostas neste mar de cascalho
onde proliferam lágrimas e risos de condição humana
nesta pequena aventura que recomeça a cada dia.
Homem: por dentro a prisão da carne
ou a liberdade do grito? E ressurge como os capins
o impacto da pedra
na fronte.
Quisera ser os pastos de bois e pássaros
e pragas e conhecer cada pequeno existir
cada fuga de carne mínima, cada centímetro
de ruptura e colisão, como numa caçada
de falcões.
O homem por dentro: ser posto no mundo,
largado no mundo feito
coisa,
painel de guerra
e fúria.
Como ouvir este silêncio escondido sob
os ventos do turbilhão? Homem: coração
de pedra e carne.
Homem: leão, rato, palavra. Desígnios do mundo
de terno e gravata. Conhecer tantas faces
dentro da face, qual trama de mar
e tinta abjeta, escrevendo as memórias
do porão.
Uma concepção de paraíso debaixo das pernas
do tempo.
Bandeiras de derrotas
e vitórias
crescendo como pendões de milho
nos campos minados da solidão.
E a palavra homem criando personalidade própria
como mosca nascendo do barro:
criação!
Mas não é só isso: há também a foice recurva,
que reclama o pescoço, as notícias de amor
e morte
vindas de longe, muito longe, pelos fios de cobre, ondas do ar.
Receio de dizer quanto ainda resta de homem no dicionário
e no zoológico,
quanto resta de homem na memória dos bichos,
nas pegadas da lama,
nos dentes da lua,
nos ossos da solidão?
Pseudônimo:
Urbanoide Lírico
Título:
Sobre Tempo e Memória
A maçã
apodrece
sobre a mesa.
A comida
posta à mesa
(que apodrece).
Tal qual
um homem
apodrece.
(Seu olho de vidro.)
A mesa
apodrece
sob a maçã
(aquela),
sob o prato
de comida,
que também.
A madeira
apodrece
o interior da mesa,
antes.
E o homem
(o mesmo)
tem tremor nas mãos.
A fórmica,
revestindo a madeira,
solta-se em lascas.
(Como a pele
do homem.)
A comida
apodrece
na escuridão
no estômago.
(E o homem
regurgita
pássaros
calcinados.)
A memória
da maçã
já não traz
a mesa,
que não traz
a madeira,
que não mais
a árvore.
Esta
já não (se) lembra
(d)a floresta.
(Envelhecer
é só –
e sozinho.)
O homem
e seu dente de ouro,
sem sorriso.
A mulher
e seu colar de pérolas,
sem a festa.
Um e outro
e sempre sem
(e só).
Na memória
de ambos,
um que se foi
e outro nunca.
A mulher
reluta
em ser a maçã
(que apodrece).
E o homem,
a mesa
(que também).
(A madeira
corroendo(-se)
por dentro.)
A memória
(dela)
seca-se,
como a carne
da maçã.
Seca-se,
como os olhos
(de vidro?)
filtram
a desluz.
A memória
(dele)
sobe na mesa,
pula da árvore,
cai no rio.
Mas rio
já não há:
vazio espesso.
E o homem-
árvore
apodrece
longe
da floresta
de homens.
(Envelhecer
é só –
e sozinho.)
Torna-se
refém
da memória.
Como a árvore,
da terra que
a sustém.
E a maçã,
da espada
que a corta.
A memória
é frio aço
de dois cortes.
Tanto fere
quem a cultiva
quanto
quem a ignora.
A memória
é lâmina
que divide
as horas.
Como a espada
trespassa a maçã
(sua carne
morta).
A memória
é substância
torta
se apodrece
dentro
de quem
a gesta.
Tal qual
a comida
(indi-)
gesta
os vermes
que a
devoram.
A memória
(presente)
esconde-se
em ausências
fortuitas.
Relógio
sem pêndulo,
marca o esque-
cimento.
A memória
paralisa
o tempo
(rio de matéria
putrefata).
Tenta
dissol-
vê-lo – unir
suas pontas.
Ou dividi
-lo:
múltiplos
espelhos.
A memória
quer fazer-se
mesa
antes
de fazer-se
árvore,
antes de
floresta.
A memória
quer lograr
o tempo
no falso
de suas horas.
Já o tempo,
por seu turno,
não se dá
por vencido.
E separa
a madeira
da mesa,
a mesa
da maçã,
a maçã
da mulher
a mulher
do homem
e o homem
de si mesmo
(o outro
que já
não há).
O tempo
se-
para,
enquanto
prepara
o bote
no mote
do homem
livre
(como disse
o gênio
torto)
: ser livre,
de fato,
é estar
morto.
Pseudônimo: Esteves Sem Metafísica
Título: Bilhete na Geladeira
querida F.,
vou ausentar-me por algum tempo
o revólver está dentro da gaveta
os cadáveres estão no guarda-roupa
não se esqueça de alimentar o peixe
com amor,
R.
Pseudônimo: Oapologista
Título: Menino Morto
Hoje eu sonhei com um menino morto,
Tão lindo... Tão inocente... Tão Triste,
Parecia dormindo, cálido, absorto,
Num mundo dele, que não mais existe.
Hoje eu sonhei com um menino morto,
De uma bela infância que não volta mais,
Que vida linda... Mas que sonho torto,
E que gente triste junto às catedrais.
Hoje eu sonhei com um menino morto,
Não vai mais brincar com outros na rua,
Como barco quebrado no cais do porto,
Uma vida ceifada, mais uma alma nua.
Hoje eu sonhei com um menino morto,
Não vai saber o que é amar... Não vai,
Não há mais sonhos, é um ultimato,
Que como areia nos dedos, se esvai.
Cheguei mais perto pra ver quem era,
No mundo de sonhos que se perdeu,
Contemplar na face sua última quimera,
Esse menino morto... Meu Deus... Era eu!
Pseudônimo: Marco Lossal
Título: Peditório
Eu quero dar forma às nuvens,
Sem nunca parar em esquinas,
Sempre cambalear em linha reta,
À espera que a puta da vida
Nunca me venha a atropelar…
Empinado e de ombros largos,
Peito aberto e braços soltos,
Cagando e andando para a sorte,
Baixar meus escudos polidos
E armaduras de prata e ouro,
Deixar saltar-me em cima a vida.
Contar minhas fobias a todos,
Deixar-me amedrontar pelas deles,
Ter para todas as perguntas tolas,
As respostas na ponta dos dedos.
Eu quero partir o lacre das coisas,
Que guardei comigo para alguém.
Deixar de cantar nesse samba
O enredo histórico obrigatório,
Deixar-me de ladainhas e canjas.
Eu quero ser como um trigal
Que quando sente saudades
Da terra, pede ao vento que
O curve em direção a ela…
Quero ser a espuma de um rio
Limpo dos efeitos do sabão.
Quero não ter nem erros nem acertos.
Quero apenas querer-me bem…
Quero que o sol me perfure as íris.
E a chuva seja lágrimas em mim.
Quero cristalizar meus momentos
Em pedras preciosas e arco-íris.
Quero muito e quase tudo,
Quero falar e ser mudo…
Pareço muito modesto, mas não sou…
Eu sou o avesso da vontade dos outros.
O reverso dos desejos de todos os homens.
Eu sou a fome que dorme na carne da maçã.
As altas temperaturas das costas africanas.
Eu sou só eu, doa isso a quem doer.
Pseudônimo: Lelo do Valle
Título: Sujeira assaltada
As mãozinhas correm ligeiras
o tempo corre atrás delas.
As pernas magrelas, as unhas sujinhas,
a flanela esfrega, limpando a sujeira,
que na pressa é inventada
pra ganhar algum trocado.
Inventor mais infeliz
o criador dessa profissão.
E pobre desse alguém
que faz dela o ganha-pão...
Nem sequer chegou a pensar,
nem teve tempo pra querer.
Pensar nem lhe é permitido,
e o querer não tem lugar.
Antes de pensar tem que correr,
correr se quiser sobreviver.
Pensamento livre só na hora do sono,
apertadinho
entre outros corpos magrinhos,
sonhando
sabe-se lá com que.
No sono ele é dono.
Nesse sonho tudo pode acontecer.
Não ter que correr,
sentar na sombra do mangueiral,
ter tempo pra querer, pra brincar,
não precisar roubar.
No sonho a geladeira é cheia.
A vida é gostosa
é criança sem cobrança
tem até um bolo inteirinho
prontinho na cozinha.
Mas o sol vem e o sono vai.
Depressa já esqueceu,
que em outro lugar,
em outro tempo não era quem é,
mas alguém que um dia queria ser.
Pior do que ter acordado,
e encarar de novo o puxado,
é lembrar de relance,
que tudo era diferente,
que se sentia até gente.
Pseudônimo: Jean Jacques
Título: O Tempo... E Agora?
O tempo,
Este demônio arredio sem fim,
Beija meu rosto no escuro do futuro
E me persegue fugindo de mim.
O tempo,
Este louco poeta em camisa de força,
Declama ao mundo os seus insones segundos
Como conta-gotas da eternidade...
E no fim das contas, fim dos dias,
Cada hora é a ironia das divindades.
O tempo,
Este transeunte das lâminas afiadas,
Acaricia minha pele como um coveiro,
Transformando em negros cemitérios
Cada luz poética de um conto de fadas.
Pseudônimo: Beatriz
Título: Atacama
Atacama
Ata-me
Ataca-me
Atiça-me
No deserto
Na rua
Na lama
Na cama
Pseudônimo: Dona Dita
Título: Contravenção da
natureza
Não
se deve usar
Cachoeiras
Para
a lavagem dos
Bichos.
Pseudônimo: Sol
Título: Escravidão
Contemporânea
Hoje,
minha senzala
é o relógio.
O capitão do mato,
o celular.
Meu fazendeiro,
o capitalismo.
O tronco
é o produto.
O chicote eu mesmo seguro.
E o quilombo
Onde está?
Pseudônimo: Gaspar
Título: Mais heranças
me mostrou como brinca o tatu-bola
me deu a madrugada fria e pernas tortas
caminhar não é tudo?
pois tome o gosto amargo
e a alegria incerta
os estertores, dizia
das poções
das suas
é a medida errada
que trago um pouco
a cada dia
(um gosto insosso de fantasia)
“seja muitos”
“seja todos”
acabei o mesmo
até quase o desespero
meus passos recuando
seco nessa hora
em que os bêbados e os morangos
coram divertidos
trago: nem todo golpe é de misericórdia
Pseudônimo: Sombra
Título: Soneto do amor de vidro
Eu
quero amar uma mulher como amo a neve
De uma lisura imaculada, um pombo branco...
Que em silêncio o seu olhar exprima tanto
Que faça intensa a minha vida enquanto breve.
Pois, o meu amor é este que se atreve
A queimar os tesouros que se enterra,
E é preciso, pois, essa alma em guerra
Para que cale o coração e a alma enleve.
Meu coração é um campo de batalha,
É uma metástase lenta que se espalha,
É uma mágoa que eu escondo em riso falso...
E é natural que eu ame assim sozinho,
Pois o amor nesse mundo é um chão de espinho
E eu vivo como quem anda descalço!
Pseudônimo: Lilith
Título: Sexy Boy
Com
seu enorme cigarro
francês
ele se aproxima
fuma
sorve meu hálito
e despe virtuosamente
minhas vestes
(inexistentes)
desvenda-me com o olhar
e venda meus olhos
trilha sua carreira
branca
entre meus seios
sorve minha pele
acende meus pêlos púbicos
públicos
afoga-se nas coxas
por uma gota da brasa
(deixou cair)
sorve meu suor
e apoia o cigarro
entre os dedos dos meus pés
fuma
ele se afasta
francês
com
seu enorme cigarro
Pseudônimo: Curinga
Título: Soneto do rato
Ó
pássaro, que voa lá no alto
por nuvens que obnublam-me a visão,
vislumbro-te o adejar aqui do chão
e toma-me o espavento assim, de assalto.
I’m sorry, if I am looking like a “nerd”,
mas noto a galhardia de sobejo
e venho invectivar-lhe em meu bradejo:
Je suis jusqu’à mon cou de cette merde!
De longe é bem mais fácil ser bonito,
não há um que discorde, isso é um fato.
Pois bem, sem desacordo, sem conflito.
Desculpe, então, cortar o seu barato.
Tu vês, ó ave, apenas o finito,
o céu, por sua vez, quem vê é o rato.
Pseudônimo: Moline
Título: Amarga
De
manhã como um pão molhado no suor do café
Desmantela nunca escorre pelos dedos
Passa nem cheiro fica
Ontem mesmo seu gosto não fazia parte de mim
Andando sempre
Preferindo andar
Procurando o início dos acenos
Pisoteei as flores ao olhar demais para o céu
Esse é um dia simples sem teus passos apressados
Eu me estranhando com a sua nuca
Hoje sem seu inferno sem respostas
Uma única idéia:
A noite me reserva outras surpresas
Um chocolate no mercado não
Um saquinho de frutas secas
Achei que fossem laranjas
É amargo esse damasco gostei muito
Agora um café – obrigada
Para mais uma jornada – de nada
As lâmpadas vão se acendendo pela rua
A noite me reserva outras surpresas
Luzes é você que vem pelas ruas
A boca repleta de pó
Não
respiro
É asma esse vazio no peito
Talvez a cidade
Talvez sinta que eu notei
Sinto seus dedos encostando na minha pele
Não respiro não disfarço
Quando na sua pressa tudo me invade
E agora a chuva faz sumir seus pedaços
É nosso jogo de mistério
Tudo parece parar
Enquanto um só carro desliza pela avenida escura
Eu desvendo a dica de um semáforo apagado.
Pseudônimo:
Diego Duá
Título:
Matheus no céu
Quando
Matheus morreu dormindo,
Chegou ao céu pensando que sonhava.
Fodeu sete virgens imaculadas
E foi conhecer o céu se rindo.
E lá tinha leite e mel,
Uísque, batida e conhaque.
Tinha livre comércio de craque
E vinho San Tomé a granel.
Viu que o sonho demorava,
Mas não desejava o contrário.
Fodia até esfolar o caralho,
Bebia e depois se drogava,
Dormia e não acordava do sonho.
Vivia feliz onde estava...
Um dia comprou uma arma,
Que no céu o comércio é liberado.
E depois de muito ter pensado,
Quis ver se morriam as almas.
Morriam
de fato, as almas.
A chacina no céu era sem fim.
E depois de tal estopim,
Outros quiseram assassinar a calma.
Matheus fez um bando no céu,
Tinha mais fel do que Lampião.
Era tão libidinoso e cruel
Que lhe chamavam filho do cão.
De tanto que o bando matou,
No fim no céu sobraram poucos.
E pegaram os anjos a socos
E trancaram num mausoléu.
Pras novas almas que chegavam
Contavam uma outra história,
Que os anjos se revoltaram
E fizeram do céu tal escória.
E os dias se passaram no paraíso
E Deus não apareceu.
E Matheus foi perdendo o juízo,
Dizendo que o céu era seu.
Mas
um dia Deus voltou
Com o coração na mão,
E se revoltou com Matheus:
— Tens mais fel do que lampião!
Matheus disse: Não sei não,
Que eu não conheci o sujeito,
Só batendo peito a peito,
É que eu sei se sou mais bom.
Deus do céu com tal afronta
Sua divina paciência perdeu.
Disse que o céu era seu
E Matheus não dava conta.
MATHEUS
Eu dou mais conta que você
Que some e abandona a gente,
Que deixa criança doente,
No relento com fome morrer.
E de fato era verdade
Que na terra ia tudo bem.
Há tempos não matavam ninguém,
Tinha justiça e liberdade.
DEUS
E quem você é pra falar,
O que faço ou deixo de fazer?
Até agora não parou de beber
E virgens no céu já não há.
MATHEUS
Posso ser beberão e safado,
Mas lá em baixo ninguém passa fome.
Se tem virgens e não come,
O senhor deve ser lesado...
MATHEUS
E quando cheguei aqui;
O céu não era o que pensava.
Tal maloca não se encontrava
Em nenhuma cidade que vivi.
Deus pôs a mão no bolso
Ameaçando o inimigo,
E pegou um celular antigo
E cancelou seu almoço.
Depois tirou as sandálias,
Que foi pra se preparar.
Para a luta que iria travar
Com seu sucessor canalha.
Matheus
também se preparou,
Fez até alongamento,
Enquanto citava os mandamentos,
Que ele mesmo editou.
E a briga começou!
Deus lutava muay thai!
E Matheus um vai não vai,
Que ele mesmo inventou.
Parecia o drunken boxing
Do filme do Jackie Chan.
Ao som de solovox,
A briga rompeu a manhã.
O resultado chegou.
Imagine o que se deu;
Eis que Deus escorregou,
Bateu a cachola e morreu.
Matheus ergueu o troféu,
Que era por ouro banhado
E gritou extasiado:
Eu sou o rei do céu!
E
durante sete anos,
Sete dias e um segundo,
Matheus reinou no céu
E a paz reinou no mundo.
Até que Matheus se viu
Enjoado Daquela paz.
E sozinho decidiu
Fazer um acordo com satanás.
MATHEUS
Olha demo me escuta.
Nós dividimos o reinado,
Eu condeno a má conduta
E você castiga o condenado.
MATHEUS
Quando eu sair tudo é seu
pra fazer o que quiser,
Mas exijo uma coisa eu:
Leve a sério este mister.
MATHEUS
Vou sair pra dar uma volta
E volto em dois mil anos,
Dê um baile como eu faço:
Agrade a gregos e troianos.
O contrato foi firmado.
O diabo é o vice-rei.
A verdade eu contei
E tudo está neste estado.
E nada mais falarei
Desse reinado atual,
O que era bom está mau,
E não me prolongarei.
Pseudônimo: Jack Four
Título: Vividamente
Se
houvesse anos
Em que todas as pessoas amadas e idas
Pudessem voltar
Se houvesse meses
Em que tudo o que foi perdido
Pudesse ser encontrado
Se houvesse dias
Em que todos os sonhos quebrados
Pudessem ser consertados
Se houvesse horas
Se houvesse
Eu não trocaria todo esse tempo
Todo o tempo do mundo
Por um único segundo
Em que todos os arrependimentos
Já não mais fossem
Assim,
eu seria feliz
Mesmo com todas as despedidas
Mesmo com todas as perdas
Mesmo com todos os sonhos partidos
Neste último segundo
Eu saberia - que se me despedi com dor
É porque conheci o amor
Que se perdi - é porque um dia encontrei
Que se meus sonhos não se cumpriram - é porque a realidade
De tantas dores e perdas... foi
Vividamente vivida
Vívida
Vida.
Pseudônimo: João Saramica
Título: Cotidiano
Um político passa em carro alegórico
a súcia aplaude. Uns poucos impetuosos
vaiam. Coisas da oposição!
O centroavante perde o gol e o grito
transformado em murmúrio, morre.
Alguns praguejam à vontade, de boca-suja.
São tempos de seca, vacas magras devoram
a ilusão gorda e rica.
Faraó decreta o racionamento, alegria fragmentada,
em torrões é servida em migalhas.
Um burro rola na relva espaventando fantasmas
de arreios e chibatas e esporas...
O automóvel para na esquina e a menina indecisa
tropeça no passeio. A malta gargalha
e ri com toda a boca e dentes...
Pairam os arranha-céus sobre calçadas e marquises
espionando pedestres minúsculos que olvidam o céu
nem para previsão do tempo.
A cidade se excita nervosa, geme em cada esquina
e praças. Estala, dilata, contrai. Será que arrebenta?
O besouro, embalde tenta desvirginar vidraças,
as flores se perdem no asfalto, e mortas se despetalam...
É a vida que flui!
Pseudônimo: Ganglamne
Título: Selva de Homens
Logo
ali, sete passos à esquerda na José Romão
De onde Xico Rei saiu pelado, a mostrar seu pudor
Estendeu-se o fuxico sobre a infâmia do cidadão
Que hoje é mais um caso, tesouro de colecionador
Nunca entendi porque tanto assombro com o homem
Se outro dia mesmo passeei pela floresta da minha rua
Onde há peixes morrendo de sede nos rios que somem
E onde árvores perdem suas folhas e sobrevivem nuas
Eu aqui ainda me pergunto em qual ponto passa o 2109
Pois me disseram que seu final dá na fronteira do mundo
No falecer do mar, bem junto à terra seca que não chove
Nego a raça humana, extraio do bosque o choro mais fundo
Minh’alma
é desnuda de carne
Minh’alma é de um verde feroz
Ousado como o idoso e louco Xico, tenho deleite nas coisa naturais
[que já não existem
Minha Terra e eu - já não existimos mais
E há quem diga que o vergonhoso é não ter vestidos ou um bom papel
Mas se ninguém se lembrou de dar roupas à faieira, ninguém merece
[ir para o céu
O pior destino é o de quem morre sem cor e sem identidade.
Pseudônimo:
Nonada F.C.
Título: Poema desmusado!
veio-me
uma musa
sem blusa sem vento
sem dente
do ventre escapou-lhe uma cópia
de soslaio a olhei
ficou-me a fitar essa musa
sem pernas sem nuvem
sem rosto
ah!-te à puta que te bunda!
bradei àquela musa à cópia
frases palavras sílabas letras etc.
escorrem pelo ralo do sonho e se
vão
tropeçando no poema
virei-me em explosão
à tevê:
traí
a musa
com o gol do flamengo!
Pseudônimo: Poetinha das
barrancas do Uruguai
Título: Último brinde
Cantares
de vozes anônimas
cercando os bulbos vermelhos
de botecos azedos.
Dizeres de dentes amargos
amarelando os incidentes desregrados
dos tropeços do álcool.
Das mesas alinhadas trago o desalinho
do meu corpo exaurido.
Dos copos azeitados por dores múltiplas
desafio a minha coragem.
Isolo meus ais aos sussurros.
Tranco à chave o meu recato.
E, pernas cruzadas,
lanço um olhar comestível ao
garoto ainda não nativo de pelos.
Fati-o
aos poucos e
sugo-lhe o gosto, o cheiro, o ritmo, o balanço efeminado.
Trago-lhe por completo.
Caminho desvairado pelas ruas.
Pseudônimo: Rachel Martin
Título: A Boneca e sua dona
Em
um sótão empoeirado
Sobre a casa quase abandonada
Dentro do baú esquecido
Estava ela atirada
Uma vez uma bela boneca arrumada
Pele de porcelana
Vestido de veludo
Cachos de criança
Hoje uma lembrança apagada
Porcelana quebrada
Vestes roídas por traças
Cachos desmanchados
Era um espelho,
um reflexo
Daquela que um dia
a segurou e chamou de sua
Uma
vez uma bela menina arrumada
Juventude transbordante
Alegria inebriante
Amada por todos ao seu redor
Hoje uma lembrança apagada
Velhice decrépita
Solidão intoxicante
Abandonada por todos que amou.
Pseudônimo: Falcão Peregrino
Título: Morro que morre
Ó
Morro!
Estandarte ferido
Estendido no ar
Para quem quiser olhar
Será que ninguém vê
Suas luzes que tremem?
Seu coração que bate
Sofrido em seu couro?
Seus muitos bandidos?
Seu pouco de ouro?
Gigante esquecido
No fim da cidade
Afundando em sua lama
Com os fracos ao seu lado
Pouco a pouco vai morrendo
O maior abandonado
Morro que grita!
Morro que samba!
Morro que xinga!
Morro que ama!
Seus
poetas adormeceram
Suas crianças não dormem
Muita pipa, pouca água
Armas, drogas batizadas,
Liberadas, procuradas
Quantos subiram?
Quantos rolaram?
Quantos sumiram?
Quantos ficaram?
Seus barracos, ruelas,
Biroscas e terreiros
É o desenho tatuado
No seu corpo cativeiro
Morro que vibra!
Morro que manda!
Morro que briga!
Morro que clama!
Seu malandro que era bamba
Tá bolado de malícia
Quer quebrar o alemão
Solta fogos pra polícia
Ó
Morro!
Das mais lindas paisagens
Porque tão perto do céu
Parece estar tão longe de Deus?
Vê tudo!
E não tem nada!
Rico!
Em crimes e desgraças!
Sua gíria!
Hoje é moda
Seu carnaval!
Dos magnatas
Mas em ti deixaram o seu nome:
Morro! Que te padece
Lhe tornando uma ameaça
Só me resta orar por ti... Deus!
Para que do seu tamanho
Também seja o seu valor
E não somente a sua angústia,
A sua revolta, a sua dor
Morro que ginga!
Morro que sofre!
Morro que mata!
Morro que morre.
Pseudônimo: Pedro Andreatto
Título: Trabalhador noturno
apago
o sol com um grito-
voz de inanição,
sem eco e
carregado de
incertezas
do dia,
inalo o entardecer num suspiro,
sopro os respingos de luz
no azul manto enegrecido-
pingos resplandecentes:
estrelas
respiro o conforto do dever cumprido,
o senhor da noite anunciada-
sem máculas,
enfim,
renascido,
no horizonte noturno...
Pseudônimo: Mel
Lisboa
Título:
Esquisitices
(Poema infantil)
Esta noite eu tive um sonho
Um sonho muito esquisito.
Cada bicho da floresta
Havia enlouquecido.
No galho tinha um cavalo
Pensando que era macaco.
Um mico apartava o gado
Rinchando e comendo pasto.
Um gato engolia moscas
Na pedra grande do lago.
Iscando banana, o rato
Encheu a cesta de sapos.
O cachorro no telhado
Dormia dependurado.
Morcego rosnava alto
Querendo pegar o pato.
Acordei de um pesadelo
Com o barulho do peru.
Ao entrar no galinheiro
Ouvi o boi fazer “gluglu”.
Pseudônimo: Medhusas
Título: Selva
selva,
ouro e ouro verde
amazônia,
terra brasileira
selva,
terra ferro e água
amazônia
subsolo negro
capital vai para o estrangeiro
é carnaval no congresso nacional
capital vai para o estrangeiro
é carnaval no palácio nacional
selva,
quase um deserto
amazônia,
um amanhã incerto
selva,
terra dos amantes
amazônica,
nunca como antes
enquanto a chuva não vem cair
molhar a relva, cessar queimadas
enquanto os deuses não vêem luzir
o pantanal, seus animais
enquanto assombram o meu país
enquanto é festa ouro sumiu
enquanto choro, lamento e canto
querem roubar o meu Brasil
índios, já não vestem como antes
índios, já não falam a mesma língua
índios, já não existem índios!
Pseudônimo: Venusiana
Título: Poema para ser ouvido no silêncio
É no silêncio
Que se faz um poema
Que se atira no poeta
Que se grita para ser ouvido
É no silêncio que
se ouve os pingos d’água
Os passos na calçada
Que se diz o que
se quer dizer só para si
Que se vão as horas
Que se fazem os amantes
Que se criam os bebês
E se remoem os sentimentos
Não sei em qual silêncio
eu me perdi...
Não sei se no silêncio
pesaroso do meu quarto,
No silêncio momentâneo
de um diálogo monossilábico,
Mas foi no silêncio.
Pseudônimo: Ariana Marciano
Título: No Beco Sujo do Mundo
No beco sujo do mundo
o sal ardia nos olhos dos pescadores
Mãe Menininha cantava de joelhos
pedindo a volta dos que não foram.
Cão côxo corria maldito,
a mãe de Judas morreu!
No beco sujo do mundo
dois galões vazios
desfaleciam soturnos.
Pro céu descolorido Pai Santo olhou
e a boca abriu,
a língua ergueu
e seco chorou.
A cor do milho sumindo,
galinha murcha ficando.
É cana-sem-açúcar,
feijão de corda torando,
mandacaru fulorando
E o bucho aqui me matando.
O luar que tardava a chegar,
o sol queimava sem cessar.
E na areia que secava até rachar,
vaca ossuda empacou.
Sou nordestino nato
não trabalho no mato,
mas minh'alma é de batalhador.
Acordei num beco profundo,
e no beco sujo do mundo
filho e meio a seca me tirou.
Pseudônimo: Sereníssima
Título: ...quando ele nasceu
Eu lembro onde e quando
nasceu.
De parto normal.
Cheio de saúde.
Cuidamos dele com tudo o que tínhamos.
Enfrentamos vários desafios.
Até que um dia,
Tentando defendê-lo,
nos jogamos na frente e fomos atingidos. Ele ficou pra trás, intacto.
E nós, estraçalhados.
Foi quando ele começou a viver sozinho. Silencioso. Na dele.
E um dia, dado como morto,
fora enterrado vivo, enquanto sonhava.
- Ah o amor! Ainda lembro quando você nasceu...
Pseudônimo: Olívia
Título: O Retorno
Queria fazer um pequeno barco
De papel
E pô-lo a navegar num charco
Rodeado de flores.
Em seguida, com um fino pincel,
Surgido das ondas da fantasia,
Roubar ao arco-íris as cores
Com que o pintaria.
Ah! Se queria!
Um capacete de folhas de jornal
E uma espada de papelão,
Prateada,
Para, com a força da imaginação,
Não temer nada,
Ser um herói à escala nacional,
Uma lenda bravia.
Ah! Se queria!
Construir, com paciência, um avião
De madeira,
Com linhas belas e puras,
E depois, com a minha própria mão,
Como oferenda primeira
Elevá-lo às alturas
E deixá-lo, confiante,
Nesse ar tão quente e brilhante
Onde ele voaria.
Ah! Se queria!
Arranjar uma meia de senhora,
Daquelas que se deitam fora,
Enchê-la de trapos sem valor
E fazer uma pequena bola
Para exibir na escola,
Por entre os ares de cobiça,
Era o meu sonho maior,
Um sorriso de alegria.
Ah! Se queria!
Fechar os olhos, ir por todo o mundo,
Na calma e na bonança
Duma melodia,
Era o sublimar
Dum querer sem par,
Mas no fundo, no fundo,
O que eu mais queria
Era voltar a ser criança.
Ah! Se queria!
Pseudônimo:
João da Prata
Título:
Bodas de ouro
Procurei palavras e como!
Precisava das melhores, lindas e puras.
Não queria as desgastadas,
aviltadas pela demagogia dos falsos amores,
ou prostituídas pelo uso em fugazes paixões.
Queria juntar palavras, sem métrica, ou rima.
Não queria uma poesia intelectual.
As pretendidas entrariam na dedicatória
Da nossa Bodas de Ouro.
Se fosse cunhar título para a data,
chamaria de bodas de
orvalho, violeta, cavalo árabe,
vaca pejada, cabeça de bico de lacre,
entardecer purpúreo, ou criança pequena dormindo.
Tanto perjúrio já passou por ouro!
Mas vale o hábito e fica ouro.
Mas será metal nosso, peculiar, especial,
Purificado pela nossa aventura, filhos e netos.
Procurei as palavras com esforço
E apertei a cabeça na procura.
Como queria, não havia.
Sobraram duas, apenas duas,
Amor e Obrigado.
Pseudônimo: François Marie
Título: Re (ações)
Luz,
câmera
Inanição.
Legendas
sublimadas
Imagens
que gritam ao coração.
A
ossada das zebras
Destroçadas
pelas savanas
A
ossada humana
Que
caminha com pés brancos de criança negra.
Luz,
câmera
Ostent(ação).
O
inglês das legendas
As
lágrimas falsas que compõe as verdadeiras
Que
rolam dos olhos fitos na televisão.
A
luxúria dos vestidos
O
vermelho do tapete –
(de
sangue nobre!)
O
humano como astro
Que
orbita sobre as estrelas
Apagadas.
Pseudônimo: Francisco Novaes e
Silva
Título: Sobre o amor
É
preciso habitar a solidão -
ver o relevo das crises sanadas;
fundo escavar na razão as camadas,
volvendo toda a poeira do chão.
É preciso habitar a solidão -
banhar-se nas águas do mesmo rio;
sentir toda a resistência do frio,
cortando com meus pés o turbilhão.
Pode então esse amor tornar-se vão
quando não só a ferro e fogo queima?
Contudo, pode contra tudo e teima
só sendo, encantamento e construção.
Pseudônimo: Baixinha
Título: Lembranças não
distantes
Oh!
São Bento encantador
Teu luar é sedutor
Tuas matas são tão lindas.
Sua terra me encanta
Teu frescor me acalanta
Nesta terra tão bem-vinda.
Quando chega o amanhecer
Vejo o céu todinho azul
Passarinhos a voar.
Pelas matas os boizinhos
Os cavalos e os burrinhos
Vão juntinhos a correr.
E na tarde onde o sol
Vai deitar-se no lençol
De um leito de um rio.
Leva todos os encantos
De um lugar de acalantos
Que agora está vazio.
Pelos
tempos que se foram
Os amigos que viveram
Sinto grandes emoções.
Mas no tempo que virá
Esperanças a chegar
De momentos que virão.
Pseudônimo: Matheus Simões
Título: 27
Eu
sou um dia de 27 horas
O personagem central da história
Uma daquelas metáforas mal formadas
forçadas a não terminar bem.
Sou uma linha bem interrompida
Um ponto final na hora precisa
Para dar fim a uma frase subjetiva
E não deixar dúvidas a ninguém.
Não peço nenhuma piedade
O faço por livre e espontânea vontade
Estarei muito bem acompanhado
Kurt, Amy, Jimmy, Janis, Jim
Ótimos companheiros de botequim.
Hoje se completam 27:
o céu amanhece vermelho no horizonte
mas não pra mim.
Eis a minha glória: perfuro meu calcanhar,
Sem agressor, sem vítima, com tudo em seu lugar.
Pseudônimo:
Dom
Título: Chamado
Estava eu quieto no meu canto
Cuidando de minha medíocre vida
E então me veio
Perturbando...
Instigando...
Ordenando...
Mate!
Minta!
Foda com os outros,
com o vento,
com as coisas,
com a vida,
com você!
Deponha reis!
Zombe de deuses!
Exponha a verdade
no almoço de domingo dos hipócritas!
Desorganize a ordem!
Ordene a desordem!
Tire os pingos dos is
E os coloque onde bem entender!
Construa cidades
e as destrua com pétalas de rosas!
Então me pôs em uma nau
E me lançou num oceano de lama
Em mares gastos por muitos navegadores
Me encheu de paixões
Desiludiu todos meus amores
Reparou meus cotovelos
E os preveniu de todas as dores,
ocultas e insanas
E quanto mais eu resistia
Mais alto me gritava
Um grito estridente
IRRITANTE!
E quando eu deixava tudo escuro
Como luz consumidora se revelava
Me mostrando a guerra
Seu campo de batalha
Não me deu nenhum soldado
Nenhuma estratégia
NADA!
Apenas uma caneta simples
E uma folha de papel
Ainda não desvirginada.
Pseudônimo: Márcia Montenegro
Título: Voo de borboleta
Descasula
adolescente
Quando nem sequer avisa,
Desabotoa a camisa,
Abre as asas bem contente.
Voa leve como a brisa
Feito seda do oriente,
Fascinando toda a gente,
É a mais bela poetisa.
Borboleteia por cá,
Borboleteia por lá,
Vive a borboletear!
Porém vaga com sua alma,
Vaga sempre muito calma,
Ela é muito de vagar!
Pseudônimo: Ted Sampaio
Título: Sons do coração
Nasci
sem gritar
expondo minha deficiência.
Do pássaro não escuto o piar,
do coração, a sua cadência.
Nasci sem vislumbrar
o rosto que me gerou.
Do sol, não o vejo brilhar,
do amor, pouco me restou.
No parque fui caminhar,
até uma bengala me tocar.
Meu coração se encheu
do desejo dele ser meu.
No parque fui divagar
sobre a vida que Deus me deu.
Meu bastão tocou o destino,
tudo mudou, repentino.
O
braile lhe ensinei,
o coração, agora expressado.
Meus sentimentos lhe enviei,
do amor agora encontrado.
Os extremos se uniram,
Os nós foram feitos.
Nossos olhos se abriram,
Ninguém nasce sem defeitos.
Pseudônimo: Victorio
Título: Transição
É
tão fria a cova e tão escuro o horto
onde depositam meu corpo doente!
_ Como a cova é fria se o corpo é morto?
A partir de agora só a alma sente...
Ah! Esta cama rude onde estou deitado
e este quarto escuro e tão bem fechado!
Tento levantar, mas estou tão cansado...
Que rumor é esse ali no quarto ao lado?
Há um jardim bem perto: sinto o odor das flores.
Quero levantar, mas estou tão cansado...
Estou tão cansado mas não sinto dores.
E o rumor aumenta ali no quarto ao lado.
_ Desçam o caixão! _ diz alguém lá fora.
Quem morreu enquanto estive dormindo?
Bem perto da porta ouço alguém que chora,
lamentando a sorte de quem vai partindo.
Quero levantar, faço força tamanha
mas tenho as mãos inertes e o corpo duro.
Agora o padre reza numa língua estranha,
enquanto fico preso neste quarto escuro.
Está
caindo terra sobre o telhado.
Parece que o mundo está desabando...
Falta-me o ar neste quarto fechado
e lá fora há uma multidão chorando.
Sinto um tremor leve, um breve arrepio...
Já quase nada mais estou sentindo.
Por que não me tiram deste quarto frio?
Alguém morreu enquanto estive dormindo.
É tão fria a cova e tão escuro o horto
onde depositam meu corpo doente!
_ Como a cova é fria se o corpo é morto?
A partir de agora só a alma sente...
Pseudônimo: Cidadão das Nuvens
Título: Poesia Circense
Homem
bala balão
munição
explosão
mil pirralhos no circo
um anão
(criançancião)
Dois pi raio no círculo
do canhão
Pipoca aplauso na mão
redenção
não em vão
Mil pirralhos no circo
Alusão
à ilusão
Dois
pi raio no círculo
do leão
Para o acro bata bata palmas
para o palha asso asso bie
e o mági como como pode:
ele tirava
um coelho
ou era eu
que tirava um bode?
O dom e a dor vêm de Deus
Deus vem de domador
Ombros do mundo: os meus
pois sou poeta ator
Por escrever poesia
sou trapezista palhaço
entre o chicote e a magia
do domador do espaço
Será que Deus chicotearia
fosse um João sem braço?
Por escrever poesia
sou bailarino mágico
no picadeiro dos dias
entre o aplauso e o trágico
mas Deus é só alegria
na queda é cama de elástico.
Pseudônimo: Madruga
Título: O meu poema novo
O
meu poema novo Não tem novidade
A minha idade
Não é nunca a mesma
O que é bom passa a gente quase nem vê
que é ruim tem passos de lesma
O meu poema novo
Quem dera fosse mesmo um poema
E falasse de amor
E de flores
O meu poema novo
É assim: já velho
Breve
Nasce morrendo
Ainda sem ser lido
O meu poema novo?
Ora!
Não leiam
A novidade está nas paginas dos jornais
Quem sabe?
Em
meu poema novo
Não cabe!
Não cabe!
Tanto coração partido
E tanta gente na rua
A mulher nua
A dama e seu luxuoso vestido
Não cabem os classificados
Nem os desclassificados
Não cabem horóscopos
Nem a queda do helicóptero
Não cabe o sorteio da sena
(Nunca vi quem tenha ganhado)
Não cabe a cena da novela
Nem a vela para o defunto
Nem tudo junto
Nem separado
O meu poema novo é assim: rasgado
Pseudônimo: Sara
Trouble
Título: A parte que
me falta
Sou tão saudade a ouvir
Uma música antiga...
Som abafado das memórias
Meio verdades, meio invenções
Meio filmes “Blanc et Noir” cheio de
Sorrisos de propaganda
Retrato na parede,
Cheiro de tinta fresca...
O sofá ao luar
A contar estrelas
Nossas trilhas, nossas histórias...
Sem drama ainda
Sem o terror da pena...
O romance era comédia
De final feliz
E feliz nossos sorrisos
No fim pedindo bis
Até chatear, até a novidade
Ser clássico e o clássico
Virar esse cheiro de poeira...
Pseudônimo: Efêmera
Título: A Moça e o
Vento
Há muito tempo, o vento se apaixonou.
Naquele entardecer, uma moça
No banco do parque se sentou,
Pálida tal qual porcelana ou louça.
O vento se debatia desesperado
Tentando tocá-la, em vão.
Chegou até a virar tornado
E as árvores foram arrancadas do chão.
Vendo, infeliz, que não deu certo,
O vento, enfim, virou furacão.
Queria abraçá-la, tê-la por perto,
Mas daí veio outra decepção:
O mundo se tornou um caos
Causado por tantas intempéries;
Os humanos se tornaram maus
Revoltados pelas fúrias naturais em série.
O vento então parou em um cume
E percebeu qual seria a solução:
Arejaria os cabelos da moça, e seu perfume
Restauraria a paz em toda a nação.
O vento hoje, portanto, vai e logo vem.
Fica um bocadinho, mas não permanece.
Pois o vento, tal qual o amor, vai além:
Eterniza no coração, mas no físico... Evanesce.
Pseudônimo:
Florindo Campos Agrestes
Título: Lavando o
pão de cada dia
O dia acordava com as canções das lavadeiras.
As batidas das roupas despertavam as pedras adormecidas.
As lavadeiras cantavam...
Cantavam, lavando as manhãs nas suas roupas...
Cantavam, afinando a alegria nas suas melodias...
Cantavam, limpando o cansaço nas suas cantigas...
Conversavam alto,
Enxaguando as preocupações nas suas conversas.
Conversavam tanto...
Tanto, que até o tempo se acomodava entre as pedras
Pra esperá-las e conversar com elas.
Enquanto isso,
O sol e o vento, feito meninos, se embalavam nas cordas do varal,
Esperando as roupas para se vestirem com cada uma delas
E enfeitarem o dia com todas as cores.
Quando iam embora,
Saíam limpos e cheirosos.
Deixando, na tarde e no coração das lavadeiras,
A alegria.
- Estava lavado o pão de cada dia!
Pseudônimo: Mari Farias
Título: Sinfonia
Sou daquelas músicas
Que sai às vezes do tom
Por medo de não encontrar a melhor nota
Ou estourar os ouvidos daqueles que não a desejam ouvir.
As minhas mais fortes sintonias
Destoam de vez em quando em noites cálidas
De receios e desprazeres
Por mais uma solidão
Uma disfunção
Um coração em confusão
Nos caminhos em que insisto encontrar nós dois
Se eu pudesse desbravar novos horizontes
Para que nossos sentimentos ficassem mais fortes
As manhãs sem som ficassem abaixo do tom
E a minha sinfonia não morresse...
Se me perder, não chore depois
Porque não vou ter a mesma índole
O mesmo receio
Sentimento
Ou o mesmo desleixo
Das lágrimas que borraram as minhas notas
E na minha sinfonia acordo um pouco mais
Daqueles dias
Das mesmas alegrias
Do mesmo ardor do descontrole
Sem ter...
Sem perder...
Sem você...
Pseudônimo: Esperança
Título: O desejo do ter
Dentre todas as rosas do jardim
daquela rua
Uma me chamou atenção, pois parecia olhar para mim
Quando vou e venho da aula todo dia é assim
Fico na ponta dos pés para por sobre o muro poder olhar o jardim
De fato olhar a rosa que parece olhar para mim
Um dia saí mais cedo então olhei para todos os lados
Ninguém estava lá e pulei o muro apressado
E feito um ladrão danado peguei a rosa que parecia olhar para mim
Fui correndo para casa e coloquei-a em um jarro
Mas depois de algum tempo vejam a minha dor
A rosa tão bela foi perdendo a cor
Foi ficando tão triste e de repente tombou
E a rosa tão bela se tristeza murchou
Suas pétalas caíram
Só um talo ficou
Hoje ao passar pelo jardim
Nenhuma flor olha para mim
Talvez, temendo o triste fim
Pseudônimo: José Maria
Título: Atrizes da cidade
Aquelas sandálias extravagantes
Se não, vermelhas, invariavelmente altas
Aquela maquiagem notadamente barata
Borrada acima da fina sobrancelha
Aquele vestido curto
Feito nas coxas
Já está decorado por todos
Não chama mais tanta atenção
Aquela alegria perene
Com todos os textos na ponta da língua
Ainda é a mesma
Afinal, a peça é sempre igual
Oh, nobres psicólogas dos homens bem casados
Oh, nobres personagens das famílias tradicionais
Atrizes inseparáveis. Amadas, amantes. Raras amigas
Quantos moços inauguraste?
Quantos lares bagunçaste?
Quantos filhos tu doaste para seguir teu rumo?
Quantas noites trabalhaste para alimentar teu pequeno
Não sabemos, um terço, do vosso diário
Entranhado nesse corpo exposto
Envolto no mesmo vestido usado
Sobre as mesmas sandálias extravagantes
Aí, sempre pronto para o consumo
Pseudônimo: Sundance
Título: Her Alz Heimer
Vives em cada ruga que aliso do meu
lençol.
Respiras nas palavras crioulas
Que ainda me repetiste nha cretcheu
E no cuidado estúpido de não incomodar os outros.
Transbordas nos rostos envelhecidos
Das minhas irmãs e nas mãos em prece
Da minha filha quando dorme.
Vives? Creio que exagero.
Mas sinto-te, pressinto-te e rio-me contigo
Daqui da beira da cama onde te acabas.
Não te trago nada querida,
Nem alivio nem anos de vida.
Venho para te beber, para te exigir a água
Que ainda me dás de cada vez que me sorris.
Estou em paz com as nossas dores
Não me sobra nenhum remorso.
Apenas a angústia de não saber
Se sabes que a tua é ainda parte da minha vida,
Que estou aqui, contigo, à espera.
Pelo sim, pelo não,
Vou ficando…
Pseudônimo: Marechal Delano
Título: O Pensador
De braços dobrados
Pelos joelhos suportados
A palavra falecida em sua boca
Os olhos em direcção nenhuma
Coze no lume da caixa de memórias, em ebulição, axiomas
No semblante maduro-velho, galhetas
Descalços pés acariciados por grilhetas
Qual combate lendário
Se os céus bradam o seu fadário
Açoitado de embebedes interrogações
Na triste e sonâmbula canção
Livre de prisões
No vácuo do cérebro da resposta à questão
No silêncio utópico de se exprimir pensando
Moldado à sua maneira, definhado.
Costelas e ossos, no tórax desenhado
Pseudônimo: Lituma
Título: Amor de Poetinha
― Vinícius, ó menino,
Aonde vais?
― Com licença, meu senhor,
Vou atrás do grande Amor.
― E quem é essa
Cuja magia
Conseguiu te conquistar?
― Ah, ela é dona de uma luz
Que me faz incendiar.
O seu nome é Poesia.
E cativou-me com um olhar.
Pseudônimo: Índio
Título: Coma
Passeia em silêncio
Pulando as linhas
Que sente.
Vai da verde
À amarela
Parando na vermelha
A linha mais pungente.
Deitado, sorri.
E quem o vê
De olhos fechados
Sabe que ele
Nunca sabe
Nunca saberá
Se há alguém
Se havia alguém
Ao seu lado
Pseudônimo: Rain Marauder
Título: Metamorfose humana
Adolescência
O que nos levaria a definir,
esta fase de mudanças
Hormônios, rebeldia, emoções
Somente isso não nos levaria a compreender,
que nesta fase da vida precisamos viver.
Viver, aprender,
querer, ser
Faz parte da vida
A adolescência não é rebeldia,
é libertação de si mesmo
Também não são só emoções,
é o risco de cada aventura vivida
Não precisamos compreender
apenas interpretar,
pois a vida é uma escola e nos permitimos errar
Compras, hormônios,
emoções, rebeldia
Será que não é evidente,
que isto é ser adolescente?
Pseudônimo: Curiricu
Título: A professora Lígia é uma existencialista
amor é a transformação de um curto
espaço de tempo
situado entre fumar um banza e ler um quadrinho do Crumb
o exato momento em que te vejo
deliciosamente pelada em minha cama
com uma das calmas mais conscientes possíveis
lendo mais um quadrinho sobre as experiências alucinógenas
que deram origem a esse próprio quadrinho
e as minhas próprias experiências
que te animam te excitam e me deixam
colocar mais tempo dentro do tempo lá dentro
logo depois, não nos matamos
as conversas se dão a partir do momento em que eu acendo um cigarro
e seguimos olhando pro teto e não para os olhos
não tenho cachorros para alimentar
a vida tá longe de estar fácil
não que esteja difícil
agradeço ao meu redor as pessoas que só falam merda
se meu desenho vai clareando quanto aos detalhes
na real escurece quanto ao significado
uma escolha
as vezes te deixo pelada no quarto escuro meu lá
jogo um futebol no vídeo game com os brothers e umas cervejas
um ponto
habitualmente volto e tento agradar com um copo de água e uma massagem
mesmo sabendo que você já fez questão de colocar seu vestido novamente
logo menos entre seus lábios de morder
seus dentes brancos entre uma cara e outra de séria
minha confusão sobre suas vontades
eu já disse que não tenho cachorro
sou só eu mesmo e caixas dentro de caixas
definições de amor por escrito
jamais teríamos escutado Nina Simone
eu não falaria de rap
ficaríamos em um segredo
uma partícula pontual na história da humanidade
eu, você e a Nina Simone sabendo exatamente a mesma coisa
e pensando-a com as mesmas palavras
deixando alegorias para fracos padres e literatos:
não aguentam 2 minutos num ringue
não bebem o bastante, nem se bastam para poderem beber dignamente
não podem ser alimentados com expectativa depois da meia noite
fundações e impérios não são como uivos na estrada,
sozinhos a pé num planeta em moebius
na hora da fome, o amor também pode ser um jeito de querer
saturno por suposto tem a obrigação de existir
eu não
sou verbo inconsequente e direto
cão faminto de ruas mal iluminadas
eu nem sou mais aquele moleque
sou sono