sábado, 24 de março de 2012

O Amor nos Tempos do Fo(r)dismo

Engatei a quarta marcha num free lance. É, um lance livre. Até que ele era divertido. Me comia sete vezes por semana e no fim de semana minha semana sequer tinha mais fim. Era uma sucessão de recomeços intensos e destrutivos. Um produto de validade vencida que consumia a validade de sua requerente vencida. Ai, minha validade, já não consigo enxergá-la neste pacote tão desgastado. Justo eu, fabricada com tanto amor e carinho, e que na tenra idade desenvolveu a síndrome do intercurso monogâmico e da maternidade. Pisei no freio, estacionei – mal, pra variar. Vaga dos deficientes. Lá veio um sujeito de sorriso mórbido que me convenceu para um café. Esse filho de uma mãe doutorada leu a página de Economia na minha frente e ainda teve a coragem de comentar que as bolsas de Nova York subiram. Manobra, à direita. Meu cartão de crédito navalhou todas as bolsas que eu de fato conhecia, meu bem. O espírito hedonista encarna em meu ser quando piso num Shopping Center. Desilusões amorosas, quem são vocês?
Esquerda, volver. Atropelei um anjo. Não, era um vendedor de galinhas brancas. A galinha depenada agonizava, como isso aconteceu? O vendedor enchia os meus ouvidos de bra, bra, bras, uma gramática completamente inadequada para a ocasião. Mas havia algo nos olhos dele. Algo de encantador. Paguei a galinha de penas angelicais com uma trepada vespertina. O meu congelador lotado de nuggets me causou repulsa na hora do jantar. Eu não comeria nada que fosse derivado do animal que eu assassinei e que teve sua alma “depenada” encarnada em mim. Seria como devorar a própria espécie. Engatei a primeira marcha. Ladeira íngreme. Exaustão, preguiça, tédio. Provas para corrigir, vida para corrigir. E uma pizza para matar a fome. E um entregador de pizza para chamar de “homem da minha vida”. Conversas pelo telefone, e a segunda marcha engatada. Balada sábado à noite, terceira marcha. Minha cama, quarta marcha... O carro morreu. A brochada foi imperdoável. Seis meses sem ingerir pizza. Passei a freqüentar o yoga, como sugestão de uma amiga nipônica. O professor era interessante demais para eu conseguir alcançar o meu nirvana. Cara de japonês, jeito de brasileiro e pinto de americano. Tive múltiplos nirvanas durante as duas ou três primeiras semanas. Até que a sentada em lótus era excitante. Abandonei os Yogas Sutras de repente, assistindo a um comercial da Johnson & Johnson com mais bebês do que num orfanato. Quis ser mãe, estava decidido. Dei uma marcha ré e retomei aquele desejo juvenil inveterado. Não queria meu filho de olho puxado. Queria uma menina, doce e obediente. Sempre desejamos para os nossos filhos o que não fomos. Uma bailarina! Passei dias pesquisando nomes de bebês e, claro, perfis de homens em sites como Helloamore. Homem truculento nem pensar. Na bengala, me conduzi até um bailarino que aspirava um papel no Quebra Nozes. Não, ele não era gay. Mas era infértil. Aquela maldita calça apertada sufocou todos os seus espermatozóides. Cansei da procura, o combustível estava pelas pontas. Estacionei-me na garagem da minha casa e me senti a personificação da solidão. Antes fosse uma jovem guitarrista ensaiando com sua banda rocks em minha garagem. Percorrer tanta estrada, parar em tanta blitz, ser multada trocentas vezes por excesso de uso do próprio corpo. Havia em mim arranhões. Esse motor de muitos homens rodados precisava de um mecânico... Claro, como não pensei nisso antes? Nada que um bom mecânico não possa dar solução. Eles têm as ferramentas certas para o meu conserto. Enchi o tanque, engatei a quinta marcha e lá vou eu, sem lenço, sem documento e sem vergonha nesta lataria de faróis azuis e incandescentes.

17 comentários:

Rayanna Ornelas disse...

Excelente,Lohan. Excelente!

Lorran Braga disse...

Parabéns Lohan !

Larissa Cordeiro disse...

Nossa ótimo, quantas vezes não passamos a 'vida' preenchendo os vazios, e quando a gente pára se vê cheio de solidão. Como sempre você captou aquilo que foge em um segundo, a emoção!

Sidarta disse...

De aceleração em aceleração,
um dia chega a contramão.

Muito bom, Lohan!!

Ana disse...

Adorei, muito bom mesmo.
Parabéns, me orgulho de jovens, como vc, que escrevem taõ bem..

Denison Mendes disse...

lohan,
excelente texto. parabéns.

Anônimo disse...

ÓTIMO ! PARABÉNS !!

Arthur Riguette disse...

Excelente Lohan. Profunda, intensa, cotidiana e expressiva.

Anônimo disse...

Meu amigo escritor Lohan!!!
Fico totalmente estupefata cada vez que leio um escrito seu....My God!!! Como aquele menino que conhecí se transformou rapidamente num Homem!!! Muito bom esse texto!!!
Expressando o nosso fatídico cotidiano,cheio de marchas rés, e acelerando muitas vezes...pra cair no monótono do dia a dia....
Quero sempre poder ter esse prazer de ler seus escritos, livros,poemas!!! Um grande beijo!!!!

Ivelise Zanim disse...

Lohan esse anônimo fui eu Ivelise Zanim....

Rosângela Lage disse...

LINDO!!! CADA VEZ MELHOR.

Marina de Carvalho disse...

Seria melhor ter morrido de acidente...

Que texto maravilhoso! Adorei o título também!

Camila W. Chrisóstomo disse...

Lohan, como diria uma ilustre amiga nossa: "gozei"! rsrs!

Muito bom... Gostei muito, mesmo!

Geraldo lima disse...

Um ótimo retrato da busca incessante pelo prazer num mundo cada vez mais mecanizado, tomado pelo supérfluo. Busca que encontra, quase sempre, o vazio. Vai em frente, Lohan!

Unknown disse...

Olá, Lohan!
Adorei a ideia do texto!

Wells, Acredito que, ao “retrabalhá-lo”, você possa deixá-lo ainda mais interessante. Penso que há um excesso de frases curtas, que acabam por “quebrar” a ação, em vez de produzir o efeito de uma narrativa veloz e intensa. As imagens eróticas pedem mais depuração, podem ser menos axiomáticas, para que possam se revelar ainda mais viris e fluidas.

Bijocas e abração!!!!

Landoni Cartoon disse...

Oi, Lohan!

Concordo com a Thaty, a ideia das marchas, por exemplo, é excelente, com a qual sugeriria que a usasse para ditar o ritmo da narrativa.

Outro ponto: não sou radicalmente contra as sentenças clichês, elas são úteis, eficientes, e indispensáveis, ainda bem que fazem parte da comunicação cotidiana, mas não consigo ler uma narrativa que fazendo indiscrimado uso delas não comprometa a força do que está sendo narrado.

Tenho a impressão de que você está em busca de uma receita, do equilíbrio, de um estilo. Ora você demonstra preocupação em ser erudito, ora em ser popular. Aquela no excesso de fragmentação, esta no excesso de frases muito comuns como "sem lenço, nem documento", "como não pensei nisso antes". Num gênero como conto geralmente isso não funciona, ou pecisa ser muito bem trabalhado.

Não é nada fácil dosar tudo isso, mas vc deve ter consciência de que está montando os trilhos. Esqueça James Joyce, para o bem da literatura. Seria uma falta grafe se negligenciasse minha opinião, até porque fazer isso seria mais fácil. Do contrário é pura consideração com vc e com o seu talento. Não deixe que o frenesi contemporâneo debilite suas grandes ideias.

Grande abraço
Landoni

Lohan Lage Pignone disse...

Olá meus caros amigos!
Agradeço a todos pelos comentários, são todos muito importantes para mim.

Os dois últimos comentários, dos amigos e autores sa Thaty e Landoni demonstram uma grata preocupação com minha escrita, o que só me resta agradecer e tentar assimilar os conselhos. Landoni, claro que eu não negligenciaria sua opinião, por que eu faria isso?!

Bem, estou de fato em busca de um estilo, e creio estar me encontrando (ou me perdendo, não sei...rs) em um. No caso, é o estilo supracitado pela Thaty: o da pontuação. Ultimamente tenho me sentido mais a vontade com essa escrita pontuada, a la Marina Colasanti, um ritmo pautado pela reflexão em cada sentença - por mais clichê que ela seja. Aliás, o clichê empregado no texto foi totalmente intencional. A voz da personagem carrega o teor popularesco, o teor despretensioso. Ela quem fala, não eu. Ela quer escrachar, não insinuar.

No mais, eu concordo sim com vocês. Algumas frases poderiam ser evitadas, claro, e o lance da marcha ditar o ritmo, foi isso mesmo que pensei, você captou muito bem, cara! Só não sei se me expressei como quis...rs.

Enfim, seguimos aprendendo. E graças a críticas construtivas como a de vocês. Não deixo me enlevar pelos elogios não... Sempre alerta! ;)

Abração a todos!
Lohan