segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Purgatório



O sol penetrou pelas esquadrias alumínicas da sala de espera e sorrateiro tocou a pele da menina. Talvez por estranheza ou despreparo ela mexeu-se, incomoda, abafava-se no calor da sala de espera.
Em dicotômica espera, a esperar para eliminar, era preciso eliminar a possibilidade de esperar e para isso há que desenvolver uma paciência halterofilística...
Em pé na calçada, fumando uma hora de espera, e ele demorava, talvez nem viesse, quem dera ele nem existisse, talvez...
Ele era impaciente, de carinhos telegráficos, frases de telegrama, a barba arranahva o pescoço, ele afoito em cima a arfar pesado, mãos grandes e fortes, ela ficava segura e violentada em seus braços, ele a tinha toda, possuía-a rápido como tivesse medo de morrer antes do fim.
Entrou no consultório, deitou-se exame, sangue e urina... esperou três dias por um resultado... positivo... positivo... pensou em tirar, pensou em pensar.
Esperou a cabeça para de rodar, esperou o corpo arredondar, esperou o tempo passar.
As dores vieram dilatadas, deixaram passar e foram-se...
Esperou mamar, esperou que todos saíssem, esperou a queda livre terminar... não esperou muito pela escuridão.
Sobre a mesa, só, um bilhete esperava alguém chegar:
"Pai, cuide, o melhor que puder, do nosso filho...
Um beijo
Tua filha"

Paulo Acacio Ramos - PT

"diálogo pertinente"









(por Dante E Paulo Acacio Ramos)




... e disse o cego demilinguido ao seu guia desnutrido:

_ a vida é um tanto ou quanto turva, porém a vejo com clareza.

o menino pensou: louco. e disse:

_ reaja, reaja, anarquize , trame, transe... partilhe a sua visão do inferno.

o cego respondeu perguntando:

_ e você?






1983/2012

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Oscar 2012 e os livros voadores

A cerimônia mais badalada do cinema mundial bate à porta, ou melhor, vem surgindo às telas das nossas queridas tv's e pc's (para os fissurados que assistem on line). É o Oscar, todo mundo sabe. Logo estaremos ouvindo os and Oscar goes to, seguidos daquele habitual suspense, e, por fim, os resultados tão aguardados pelo público apaixonado pela sétima arte.

A essa altura, o júri conservador e predominantemente estadunidense já definiu os vencedores. A propósito, as vitórias, em Oscar's, costumam ser bastante contestáveis; mas deixemos para comentar sobre isso após a 84º edição da festa...

Neste post, não vim destacar nenhum dos indicados a melhor filme, ou melhor ator/atriz, tampouco melhor roteiro (embora eu não consiga evitar de demonstrar aqui a minha torcida para "Meia noite em Paris", do Woody Allen, como melhor roteiro original). Gostaria que apreciassem a um dos indicados a melhor curta metragem de animação. Sim, curta de animação. Uma categoria raramente comentada, exceto pelos críticos de plantão, ou pelos mais assíduos pelo gênero cinematográfico supracitado.

Tive a felicidade de encontrar este vídeo disponível na Internet e poder assisti-lo antes da realização do Oscar 2012. Assisti apenas a dois curtas de animação que foram indicados este ano, no entanto, já declaro minha torcida para este: The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore.

Peço aos leitores que, antes de prosseguirem com a leitura, assistam a esta obra-prima. Deixem-se levar pela delicadeza e pelo valor empregado aos personagens especiais (vitais) deste filme que dura apenas 15 minutos.

Assistam ao curta: 


William Joyce, o diretor desta pequena trama, vive em New Orleans, cidade brutalmente atingida pelo furacão Katrina. Segundo ele, foram encontrados um sem-fim de livros levados pela tempestade arrasadora. Livros perdidos, destruídos... Em meio a detritos, lixos. Livros! 'Seres' capazes de transformar vidas em meio a tanta morte.

E foi justamente nesse ponto que Joyce tocou: vida. De toda a destruição, emerge a vida nos livros. Através deles, reconstrói-se toda uma civilização. Reconstrói-se, sobretudo, o interior de um homem desolado. Através dos livros, encontram-se as saídas.

A história ainda contém um toque barthesiano, mostrando a vida própria do livro assim que lhe é dado um ponto final; desgarra-se do autor. Já não existe o autor. A história tem vida própria. Vida que vai de encontro a outras vidas, e assim sucessivamente. Que assim seja. Que os livros resistam ao avanço tecnológico e permaneçam voando e pousando em nossas existências com suas páginas cheias de palavras vivas.

Bom Oscar a todos!
Lohan.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A arte do miniconto e "O robô"


Olá, amigos,

Hoje estou publicando o meu primeiro miniconto (ou microconto, como preferirem). Primeiro e único, até então. Criar um texto de tal porte não é tão fácil quanto parece. Exercitar o poder da síntese, da brevidade literária, é fundamental para todo autor, sobretudo para mim, particularmente, que tenho o hábito de mergulhar em longos devaneios palavrosos, como já diria meu amigo e escritor Nilto Maciel. O dever do microcontista é, basicamente, sintetizar o pensamento e transmitir a mensagem com eficácia, e, claro, com o toque de brilhantismo essencial a todo texto que se preze, permitindo ao leitor um leque interpretativo rico.



Aproveitando a onda dos minicontos, vale à pena divulgar a notícia de que o camarada e ex-participante do Iº Concurso de Poesia Autores S/A, Ricardo Thadeu (para quem não sabe, o famoso J. J. Wright no concurso), estará lançando, amanhã, o seu livro de minicontos, "Camisa de Marte", pela Editora Multifoco. O lançamento ocorrerá na Biblioteca Municipal de Riachão do Jacuípe, Bahia. Desejo sorte ao grande escritor. Abaixo, a capa do seu livro e um dos seus minicontos presentes na obra:


Dois garotos jogavam videogame na sala. Duas garotas brincavam de boneca no andar de cima. Doze anos depois, tabus foram derrubados e os quatro brincaram. Juntos. 
(Thadeu, Ricardo. Croissant quase sutil. In.: Camisa de Marte. Editora Multifoco).

Conheço também os microcontistas Geraldo Lima, Paulo Luís Fodra e Rodrigo Domit, todos os quais eu anseio ler. Ainda comprarei os livros desses caras. Também o meu camarada Edweine Loureiro, escritor brasileiro que mora na terra do sol nascente, é um grande microcontista. Seu último feito foi ter vencido um concurso de minicontos promovido pela editora L&PM, em homenagem a Charles Dickens. O miniconto deveria ter a palavra ou o numeral duzentos (200), além de ter de respeitar o limite máximo de 200 caracteres (com espaço). Vejam a obra de arte vencedora:


PREÇOS


Gritava à janela da amada, que o havia deixado por um homem mais rico:
- E o Amor, Julieta? Vale quanto?
E uma voz, vinda da esquina:
- Duzentos reais, uma noite.

O miniconto mais famoso do mundo é do hondurenho Augusto Monterroso. Eis as sete palavras iluminadas:

Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.

Quem acordou? Que dinossauro seria esse? Ainda estava lá... Aonde? E, assim, o miniconto produz um conto imenso de sensações e ilações no leitor. Após Monterroso, o gênero se tornou mais admirado pelos críticos, embora não reconhecido. No texto "La brevedad", Augusto surpreende, menosprezando o gênero que o tornara célebre:

“Com freqüência escuto elogiar a brevidade e eu mesmo fico feliz quando ouço repetir que o bom, se breve, é duas vezes bom. Contudo (...) o escritor de brevidades nada anseia mais no mundo do que escrever interminavelmente grandes textos, grandes textos em que a imaginação não tenha que trabalhar, em que depois de feito, coisas, animais e homens se cruzem, se busquem ou fujam, vivam, convivam, se amem ou derramem livremente seu sangue sem se sujeitar ao ponto e vírgula, ao ponto. A este ponto que neste instante me é imposto por algo mais forte que eu, algo que respeito e que odeio.” 

Particularmente, eu discordo da opinião do mestre. O miniconto é uma opção (dentre várias) de gênero. Fosse assim, todo romancista sonharia em escrever uma Bíblia. Fazer um miniconto exige uma competência e tanta. Será que todos os autores de intermináveis textos seriam capazes de desenvolver com êxito tal proeza? Quanto aos mercados editorias, nem entro nessa questão... Afinal, o bom escritor escreve para ser ou para vender? Se for com a finalidade soberana de vender, me perdoem os Coelhos da vida, mas vocês são comerciantes, e não escritores. O grande equívoco de um autor não é quando ele opta por escrever um miniconto, ou poesia, ou um ensaio, que seja. A grande burrada, eu diria, é quando um autor classifica sua obra, ainda em desenvolvimento, se utilizando dos seguintes critérios: 

a) apta para vendagem               b) apto para ficar na gaveta

Neste momento, seja qual gênero for, morre a literariedade.

A onda dos minicontos aumenta à medida que as demandas sociais pela internet crescem, pulverizando as informações. Seria uma coincidência, ou seria um fato conseqüência do outro? Prefiro acatar a segunda alternativa. As informações instantâneas, que dominam sites como o Twitter e o Facebook, por exemplo, fazem parte de um novo processo cultural - o do minimalismo prático.

Ser prático é ganhar tempo. Reduzir as comunicações é ser prático, logo, as pessoas querem economizar tempo tirando proveito dos melhores meios para suas finalidades (neste caso, os meios virtuais). Saramago já dizia...

"De tanto reduzir a comunicação, o homem vai conseguir involuir para os grunhidos."

A efervescência dos minicontos no cenário literário atual é satisfatório para qualquer leitor. Diferentemente da comunicação em redes sociais, que, na maioria das vezes se faz medíocre, o miniconto é resultado de um trabalho árduo, que se enxuga a todo instante, cortando-se os excessos, a vírgula, o ponto; tornando enxuto um texto que poderia se desenvolver e se tornar um belo romance. Se dependesse dos minicontos para saldar suas dívidas, Alexandre Dumas estaria encalacrado (assim como esteve, independente dos minicontos). O autor de “O Conde de Montecristo” era pago por palavra escrita, logo, imaginem só quanta lingüiça não foi preenchida. 




Louvo aqueles que escrevem minicontos de qualidade, à altura de qualquer conto ou crônica. Eu, mero aprendiz, publico, abaixo, o meu primeiro passo. Uma tentativa, eu diria. Vamos a ela:

O robô

Quando acordou, o robô já estava lá. Hercólubus já não era mais o segundo sol. Os holandeses transavam sob abissais oceanos. Fidel Castro já era um fóssil exposto em um museu dos EUA. Clones perambulavam pelas terras vermelhas de Marte. Jesus já havia alcançado dois bilhões de seguidores no Twitter. A Monalisa conversava com seus visitantes no Louvre. Cientistas haviam encontrado um papiro o qual revelava o grande mistério da humanidade: sim, meus caros, Capitu traiu Bentinho. 

Grande abraço, até a próxima.
Lohan.

O Gato Entupido ou Metabolismo Atávico



"Arte é apalpar a divindade." 
Roberto Magalhães,1970. 




A arte vive, nos nossos dias, momentos de intensa dicotomia; Por um lado, tem à sua frente diversas possibilidades de realização criativa, nos campos material e estético; Por outro, ressente-se de uma falta, grave, de novas aplicações do material técnico. 
Em termos formais e conteudísticos, vemos surgir, cada vez mais, tendências “saudosistas”, muitas vezes imitativas, das fases anteriores, mais notadamente do Dadaísmo e da Pop Arte, sem mencionar a manutenção do Classicismo acadêmico (conforme pensam alguns). 
A arte contemporânea; a que já nos devíamos ter acostumado chamar: Pós Moderna; tem procurado estruturar-se num revivalismo da forma plástica clássica, com integrações de materiais, mais ou menos, inusitados e suportes cada vez menos ortodoxos. Em termos das capacidades técnicas de execução, temos visto um cenário que nos traz, desde o “pré histórico” pigmento sobre suporte, até às telas dos visores tridimensionalizantes dos computadores. 

Ao falar de Arte, aqui, temos em vista todas as formas de expressão criativa do gênero humano, desde o mais simples elemento artesanal, até à produção de filmes publicitários e videoclipes; passando pela literatura, Teatro e outras artes cênicas, Cinema e outras artes industriais (Televisão, Vídeo, Design etc.), Fotografia e a pouco explorada e conhecida Info Arte; todas são, a seu tempo, formas de expressão e comunicação, “linguagens” por assim dizer, e claro são todas formas de reforçar ou criticar as estruturas de mercado(e poder) vigentes na sociedade, individualista globalizada, contemporânea. Vemos os “pensadores” atacar o que lhes parece ser a desagregação ou caos, da forma e conteúdo das obras artísticas de agora, seus pragmatismos pudicos e adolescentes, pseudo libertários, não podem aceitar que a Arte esteja buscando a radicalização expressiva, que se revista de outros objetivos e práticas, opostos, mas resultantes daqueles do Modernismo; que os “em cima do muro” críticos e filósofos da Arte tiveram que engolir, com seus engajamentos políticos e sociais. Ora, as perturbações que ocorreram nos primeiros cinquenta anos deste século (com guerras quentes ou frias), foram a razão e matéria subjetiva da expressão plástica; o artista via, então, nisso, o ponto de partida para exercitar sua criatividade, e via em si e suas obras, os detratores das ações anti sociais de grupos de poder político e econômico, com seus discursos opressores pasteurizantes; tendo sido, em alguns momentos, os pontas de lança de movimentos revolucionários; cedo, porém, os artistas perceberam que a Arte não é revolucionária, tão pouco é conservadora, a Arte é representação e linguagem, e como tal, possui códigos, símbolos, índices e ícones particulares, cabendo ao observador retirar dela aquilo que lhe sirva como arma ou simples fruição. 

A vantagem da Pós-Modernidade é que ela não pretende, nem quer, negar ou ultrapassar suas ascendências genealógicas, como queriam as fases anteriores, outrossim assume-se como resultado, ou amálgama das heranças expressivas que lhe permeiam o cerne; não quer curar suas feridas, quer mantê-las abertas, beijando as próprias pústulas, qual leproso orgulhoso. 
Um olhar mais profundo, vai buscar e retirar dessa superfície enrugada, uma carne macia, clara e ainda muito pouco enervada; uma carne pronta para o corte afiado e o cozimento lento. 
Dentre todas as expressões contemporâneas da Arte, faz-se necessário realçar a presença da Vídeo Arte e da Fotografia, uma pela capacidade de análise do espaço no tempo, a outra pela fixação do tempo no espaço; a Vídeo Arte tem evoluído num sentido científico de aprofundamento do caos urbano e da psique individual, como no trabalho: “Feed me, Eat me” (XXIV Bienal de Arte de São Paulo, 1998); onde alguém nos grita, a todos os decibéis, as duas partes do título, a partir de aparelhos de televisão em diversas posições espaciais e físicas, onde só se vê o rosto de quem grita, associados a duas projeções diretas sobre as paredes da sala – Forte, objetivo, agressivo, de identificação imediata: “Coma-me, alimente-me”. 
Tivemos, no mesmo evento, a oportunidade de assistir ao trabalho da artista australiana Tracey Moffat, “Heaven” – onde com sua câmera caçava seres humanos (surfistas, mais exatamente), tentando desnudá-los, literalmente, suas mãos são vistas várias vezes puxando calções e/ou toalhas, ao som de músicas épicas, típicas de documentários, tipo “Mundo Animal”. 
A Fotografia que, por sua vez, busca, cada vez mais, relativizar sua abordagem realista dos objetos, também nos trouxe novidades, como: A supressão do valor formal temático, pela verticalização do horizontal e vice-versa. É também um grande prazer notar que ainda possui um grande poder de provocação, quando surpreendemos pessoas boquiabertas, frente aos painéis fotográficos (sensualmente cruéis) enormes, de um artista vietnamita, que por processos de manipulação informática da imagem, nos mostra o prazer sádico dos grupos militares de seu país: “Cortem-lhes as cabeças e os genitais também”, numa associação lírica de Alice no País das Maravilhas e Ascensão e Queda do III Reich (homoerotizado e banalizado). 
As artes em geral, na segunda metade do século XX, desengajaram-se da transformação revolucionária para se apegar à demonstração evolucionária. Não propõe saídas, fazem-nos pensar e repensar os caminhos que poderiam/deveriam nos levar a elas (Artes e saídas): são provocadoras emocionais e racionais, não sendo elas próprias nem uma coisa nem outra, assumidamente. Vasculham o meio e imiscuem-se em nós, como se fossemos perseguidos pelo coração pulsante daquele que matamos.(E. A. Poe, Coração Revelador, 1842). 
A Pós Modernidade é também Neo-Plástica, Expressionista, Surrealista, Clássica, acadêmica etc. – Neo Tudo e Neo Nada – Pós-moderna? Pré-Arcaica? É um polvo com alma, e um lobo sem lua; agarra-se a tudo que pode e quer, mas não uiva numa só direção. Quer muito, faz muito... mal tem tempo para digerir o que nem começou a mastigar, e cospe os pedaços; Quebra cabeças onde, propositadamente, faltam peças, e se faltam, faça-as você mesmo, ou fique satisfeito com o incompleto, o sujo e o feio: belos conceitos – comparativos, pragmáticos, absolutos. Sujo com relação a qual limpeza? À do moderno? Feio porque não é o meu reflexo no espelho? Ou justamente porque o é? ...”Por que és o avesso do avesso do avesso do avesso”...(C. Veloso, Sampa, 1970) e se São Paulo (cidade jovem) é assim; o que serão: Barcelona, Amsterdã, Londres ou Roma? E Nova Iorque: pai, mãe e parteira da Pós Modernidade, com seus museus “Europeus” e suas performances radicais convivendo no mesmo guia, para ávidos consumidores culturais. E eu, com meus trinta e cinco anos (a mesma idade da Pós Modernidade), que estive em cada uma destas cidades, e não tenho identificação cultural com nenhuma, mas acho todas “a minha cara”. 
Tenho fotografias para mostrar ... como disse um espanhol, certa vez:
“... Se o meu governo quiser, um dia, juntar documentação sobre o país, principalmente fotográfica, vai ter que pedir aos cidadãos japoneses, que só conseguem ver o mundo através de uma objetiva, e cujas memórias estão preservadas sobre papel, em infindáveis álbuns...”.(Anônimo, Museu do Prado,1996) 
São coisas, diria a minha bisavó, que um cão arrasta. Minha bisavó, que assistiu ao nascimento do automóvel, do cinema, do impressionismo e suas seqüelas. Que morreu antes de Peter Greenaway ou David Lynch fazerem filmes. Queria ter podido comentar com ela, “Veludo Azul” ou “O Livro de Cabeceira”. Não posso, não sei se não teria ela gostado mais dos filmes do que eu. Possuía, a pequena senhora, uma visão filosófica e científica, bem maior que a minha. Acostumava-se mais depressa às revoluções. Talvez por que viveu diversas, eu não... Filha do tempo, ela era... um tempo engrenado, de nova indústria, novo social e Arte nova, um tempo definido por cem anos, eu com um terço da idade e nem um milésimo da sabedoria. Ela morreu, porque estava cansada de ocupar espaço; eu vivo cansado de contar o tempo. Queria poder, ainda, me agarrar às suas pernas, seguro da proteção de quem aprendeu com a vida, inseguro do meu aprendizado literário.E é aqui que volta o “saudosismo”, não aquele do conservador, de uma manutenção estúpida do que foi ultrapassado, mas o da releitura, do redirecionamento, do pesquisar caminhos já trilhados, e tentar soluções para o imperfeito temporal eterno e o incompleto espaço finito. 

Paulo Acacio Ramos - PT

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

“a volta dos que não foram.”

volto!

de longe

em longos mergulhos,

sem barulho,

o bagulho passou...


venho de ventos solares,

de mares nunca dante’scritos,

venho dos malditos,

dos oprimidos,

dos recolhidos,

impostos postos

pela coroa portuguesa...


venho da mesa farta,

Paracauam de farda semiótica,

boca exótica, boca suja

e, de lambuja, um Jay Jay,

que até pensei

ser um exílio bahiano,

um filho de fulano

de metáfora breve

como se necessário

fosse o contrário de quem escreve...


venho do mundo tolo

dos poetas bobos

sem técnica, só coração

mas tenho de sobra

o que se Bloba na boca do Leon...


talvez amanhã,

ou domingo,

eu me vá.


quanto a nós dois!?


a gente Cervan depois.

fev/2012

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Wando é...

 


Amigos leitores, pode parecer estranho este que vos escreve publicar um post sobre o Wando, considerando minha falta de intimidade com o estilo que chamam de "brega". Contudo, aceitei escrever no Autores SA para falar sobre música em geral. Diferentemente do que se acredita, e contrariando radicalismos, alguns fãs de Hard Rock e Metal estão entre os mais abertos musicalmente. Pena que muitos fãs destes mesmos estilos escondem isso. Por outro lado, uma parcela significativa dos músicos de Metal não fazem o mesmo, eventualmente revelando sem pressões seu ecletismo para o público headbanger. Neste post já temos uma amostra disto. Mas outros posts virão. Uma nota: quando eu disse "abertos musicalmente" não quis dizer "pode vir qualquer coisa". No meu caso também é assim.



Certa vez um amigo me disse que não gostava da língua italiana, aliás, que a achava feia. Como respodê-lo  a não ser com a contrariedade de quem a admira. A música romântica de Sergio Endrigo e companhia fizeram - em parte - com que meu amigo torcesse o nariz para a língua da Dante e Petrarca. Talvez a língua italiana tenha soado brega aos ouvidos dele. De todo modo questiono este rótulo, pois breguice é sinônimo de pobreza, na música então, brega assume o sentido de musicalidade pobre, de carência extrema de recursos, de sonoridade sem sal, sem tempero, enfim, insossa. Por isso, sinônimo também de mal gosto. Ora, dessa forma o "brega" pode bem classificar composições de estilos musicais diversos. Todavia, no nosso modo de entender o que é "brega", este termo pode assumir ainda um outro sentido, relativo à lírica, isto é, de música excessivamente romântica, em matizes muito quentes, intensas, ensopada de erotismo ou sentimentalismos. Ou seja, a típica "mela-cueca". Diferente da visão sofisticada da lenha crepitando na lareira, dos estofados de veludo, das taças de vinho abandonadas com os restos do doce elixir ainda dentro de seus bojos, e de uma encantadora Ella Fitzerald cantando I Love Paris no fundo da sala quase escura. Apesar disso, dependendo de quem observe, essa mesma cena também pode ser considerada "brega". Não importa, o que move minha sensibilidade musical não é tão-somente a visão estética que possamos ter do amor, mas a musicalidade de quem o canta. Ouvindo o repertório de Ella Fitzgerald fica evidente o quanto ela nunca foi pobre musicalmente, ainda menos Cole Porter. Mas e o Wando? Bem, lembram do meu amigo? Diferente dele o gosto pela música não me limitou a gêneros, assim como meu gosto pelas línguas não me limitou ao inglês do Rock n Roll. Na mesma época em que me tornei fã de Ozzy e do Scorpions eu ouvia a trilha da novela Roque Santeiro, e nela a música Chora Coração, exemplo que ultrapassava para mim a fronteira dos rótulos. Enfim, Wando pode até ser considerado brega, mas não é qualquer coisa.
--
Charge: Ademir Paixão

Wando toca e canta duas músicas ao mesmo tempo,
com a ajuda de um coro supostamente vindo da platéia.



Meus sentimentos em nome do Blog Autores SA aos familiares,
amigos e aos fãs de Wando.


  WANDO

  1945-2012


Uma homenagem da pesada e, assim como Wando, bem humorada. A considerar: vindo de uma banda que faz humor com o estilo Black Metal, o título do cover é puro elogio! 


Wando... is... Evil!



Na próxima quinta o post número 50!