terça-feira, 17 de novembro de 2009

O homem que queria ser outro - Parte 10 - Charles

Amigos leitores! Quero me desculpar pela demora em postar o novo capítulo da história. Por um lado foi bom, para refrescarmos um pouco a mente das barbáries de Euclides, pois o que vem pela frente não será fácil... Reta final: Boa leitura a todos!













Ariano tinha o olhar perdido pelas esquinas cariocas. O carro que seu pai dirigia parou no sinal vermelho.
-Em que está pensando, garotão?
O jovem não o ouviu. Se ouviu, não escutou. Algo estava embaçado... Em sua mente, em seus olhos... Ou não seriam as lentes dos seus óculos?
-Ei, olha pra mim.
Desta vez, atendendo maquinalmente à imperatividade do pai, ele se vira, ainda que mudo.
-Que narigão inchado, hã? – Gozou Walter – Seque essas lágrimas. – Ordenou.
O sinal abriu. Walter arrancou com o carro. Ariano, encabrunhado, secou suas lágrimas. Agora enxergava melhor.
-Não me diga que ta chorando por causa daquele falso amigo?
-Eu nem sei porque estou chorando...
-É, mas eu sei.
-Ficaria agradecido se me dissesse.
-Você está carente, Ariano. Carente de um bom amigo, de uma companheira, de carinho. Na verdade, você sempre foi.
-Não, eu...
-Nada, não precisa dizer nada. Não há quem te conheça melhor que teu pai.
-Eu me conheço melhor. – Respondeu, com uma convicção incerta.
-Agora mesmo me disse que não sabia o porquê das lágrimas. É assim que você se conhece?
Ariano se deu por vencido. Dificilmente persuadia seu pai, o homem mais astuto que já conhecera.
-Eu consigo viver bem assim. – Disse, em tom resignado.
-Está apaixonado por aquela moça, não está?
-Por que me diz isso?
-Você dá bandeira demais. Sem contar a grande preocupação que teve por ela... Levou um soco para protegê-la, ligou para que eu fosse o advogado dela...
-Ela não me dá chance. – Disse, retirando os óculos para mais uma vez secar as lágrimas que insistiam em sair.
-Ela ainda não conseguiu enxergar a dimensão da sua bondade, e do seu amor. Se ama de verdade, tenha paciência, e continue assim, sempre ao lado dela, nas horas boas e nas ruins. Quando a maré da vida dela baixar... Sua hora vai chegar.
-O Euclides... Ele também está dando em cima dela. A Julia me contou... Nossa... Mas depois disso as chances dele conquistá-la são nulas.
-Ele estará em maus lençóis... O delegado Régis é esperto. Irá deduzir o mesmo que nós, com base no depoimento da Lia. Quem sabe ele não monte uma armadilha para o depoimento do Euclides?
Já era noite quando Régis chegava em casa. Ana não fora à faculdade naquela quinta-feira. Estava aflita, à espera do marido. Ela o recebe com um beijo.
-Andou bebendo, não foi Ana? – Repreendeu ele, ao sentir o gosto do seu beijo alcoolizado.
-Ai, Régis, isso não importa agora! Mal chega e já vem falando isso...
Ela se afasta, com as mãos na cintura. Ele não dá prosseguimento àquela “velha discussão”, e se senta no sofá, exaurido.
-Dia pesado hoje, não?
-É, hoje foi brabeira... E você faltou faculdade por que?
-Lá vem sermão de novo... Não to a fim, resolvi te esperar, tudo bem assim?
-Claro. Mas não quero que falte mais por minha causa.
-Olha, eu fiz até um jantarzinho pra gente. Dispensei a empregada mais cedo.
-Isso é bom... – Diz ele, abrindo os braços sobre o respaldo do sofá.
Ana Lucia caminha até ele, e senta em seu colo.
-O nosso menino já foi pra cama?
-Que nada, ta lá em cima, jogando vídeo-game.
-Ana, deixa eu te perguntar uma coisa... Voce disse uma vez que dois colunistas do jornal Boca do Povo estudavam com você, certo?
-É, o Ariano e o Euclides. O que tem eles? – Indagou, já em tom suspeitoso.
-Bem... O Euclides está envolvido no caso do assassinato do Adalberto. E não é pouco.
-Como assim, me explica isso!
-Eu vou te explicar, mas antes quero que me prometa que irá se afastar dele.
-Eu não tenho motivos, Régis.
-Eu lhe darei os motivos.
Régis conta detalhadamente à Ana tudo o que Lia depôs acerca de Euclides.
-Isso não significa que tenha sido ele... – Ela reluta – Pode ter sido ela, e está jogando a culpa pra cima dele.
-Pelo sim, e pelo não, quero que fique longe dele até que tudo se esclareça. Amanhã ele será intimado a depor. Eu acho que já sei como posso pescá-lo...
-O que ta pensando?
-Não posso te falar, por enquanto.
-Não confia na tua esposa?
-Confio. Mas não confio nele. Não quero que ele saiba que você é minha esposa. Pode haver retaliação, dependendo de como eu for agir com ele...
-Fique tranqüilo, não contarei...
-Agora vou tomar um banho, e depois jantar, porque não sou de ferro...
Ana Lucia permanece atordoada com aquela história. Enquanto Régis se banhava, ela vai até o bar de sua sala de estar e apanha uma garrafa de uísque. Fica dois minutos insólitos olhando para aquela garrafa, com as mãos tremulas. Ela abre a garrafa. As lágrimas corriam na face quando ela põe o gargalo na boca, deixando aquele líquido amargo descer garganta abaixo.
Euclides estava na sala, conversando com seu tio. Ambos sentavam-se cada um numa poltrona. A televisão estava ligada.
-Ligou pros seus pais, Euclides?
-Liguei hoje. Pedi a empregada pra avisar que estou aqui, e bem. Mas sei que eles não vão se importar com isso.
-A morte do seu irmão foi o inferno pra sua vida também, não foi?
-Por que diz isso? – Desconfiou.
-Porque eles entraram numa espécie de... Depressão. E descontaram tudo em você, o filho vivo. Eu vivi meu inferno, acusado por negligência, por ter deixado seu irmão morrer. Eu nem lembro ao certo o que aconteceu... Estava completamente bêbado.
-Foi uma fatalidade. – Disse, cinicamente.
-Para me livrar desses pensamentos, comecei a fazer meu artesanato... Hoje não consigo viver sem ele.
-Estranho... Não reparei em nenhuma oficina de artesanato aqui... Onde fica seu material de trabalho?
-Ah... É secreto – Sorriu – Mas não para você. Eu realizo meu artesanato no porão.
-Há um porão aqui?
-Sim. Lá guardo meus produtos, pinturas, todo tipo de arte. É mais seguro.
-Onde fica esse porão? Por curiosidade, apenas...
-Sob a minha cama há uma entrada. Às vezes, em noites de insônia, caio da cama propositalmente.
Ambos caem na gargalhada.
-Que interessante! Amanhã pode me mostrar tudo?
-Com certeza, será um prazer...
A jornalista anuncia a próxima reportagem: assassinato de Adalberto Rangel. Charles aumentou o volume da tv. Euclides inquietou-se no assento. Pediu licença, e foi à cozinha.
Enquanto assistia à reportagem, Charles sente seu corpo arrepiar. Ele olha para trás, a procura de Euclides. Estava na cozinha, tomando um copo d’água. “Mas sair assim, justo no momento dessa reportagem...” Algo estava errado. O celular de Euclides emite um som. Ele, por acidente, o esquecera sobre a poltrona. Charles não percebe nenhum movimento vindo da cozinha, e, tomado pela curiosidade, apanha o celular do sobrinho. “1 mensagem enviada”. Ele olha para trás novamente. Euclides ainda estava na cozinha... Pôs-se a ler a mensagem, que assim dizia:
-“Está assistindo a tv, Euclides? Está vendo a desgraça que cometeu na família desse jovem que tinha um futuro promissor? Eu sei que você o matou. E você pagará por isso.”
Charles largou o celular, espontaneamente. O celular caiu no chão. Euclides irrompe na sala.
-Amanhã irei cedo ao trabalho, colocar as coisas em dia... – Vinha dizendo ele, normalmente.
Charles rapidamente pega seu celular, mas já não há tempo para se esconder. Euclides o flagra.
-Por que pegou meu celular?
Charles se levanta do sofá, com o celular na mão, encarando Euclides.
-Man, mandaram uma mensagem agora. Está te acusando. Te acusando de ter matado esse cara aí da televisão. – Disse, nervoso.
-Me dá isso aqui, tio.
Euclides estende o braço.
-Antes eu exijo explicações! Você esta na minha casa, mal se hospedou e já me traz dor de cabeça!
-Ta certo... O que dizia a mensagem? – Disse, entrando cautelosamente no jogo do tio, recolhendo o braço.
-O número é desconhecido... Perguntou se tu tava vendo na tv a desgraça que cometeu. Disse que sabe que tu matou! Que história é essa, minha gente?
-Essa pessoa está me atormentando desde ontem, tio. Eu não sei quem é, é trote, só pode ser. Eu não matei ninguém. Deve ser alguém do hotel onde fiquei hospedado... Me viu sair na mesma hora do crime, eles tem meu telefone...
-Eles não fariam isso, seu imbecil! Fosse assim já teriam entregado você a polícia!
-Eu não sei quem pode ser... O senhor está nervoso...
-E não devia estar? De nada vai adiantar meu falso testemunho. Alguma alma desse hotel vai me desmentir quando essa história toda for pra mídia. Eu não quero me complicar com a Justiça, Euclides. Me desculpe, mas... Se for preciso dizer algo... Direi a verdade.
-Fará isso com seu sobrinho?
-Eu acredito que é inocente. Por isso direi a verdade. Nada irá te prejudicar.
-Serei preso inocentemente! Vou perder minha vida amargando uma cela de cadeia! Será capaz de fazer isso comigo?
-Meu depoimento não vai interferir dessa maneira no andamento desse caso, Euclides... Há muita coisa pra ser investigada além disso.
-O senhor tinha prometido me ajudar... Pobre de mim... Não existe nesse mundo quem me ajude, quem me dê valor. Não existe ninguém que confie na minha palavra, nos meus atos.
Amanhã eu vou dar o fora daqui. Só não vou agora porque ainda não sei para onde ir...
-Fique calmo, vou arrumar um advogado, tudo vai dar certo.
-Não quero mais a sua ajuda! Muito obrigado por tudo, titio.
Euclides vai para o seu quarto, fechando a porta. Charles fica desolado na sala.
-Euclides, vamos conversar, rapaz!
-Não temos mais nada pra conversar, grita ele, do quarto.
-Está bem... Vou te deixar sozinho, depois conversamos.
Charles sai. Euclides permanece deitado na cama. Suas faces estavam vermelhas de fúria. Seus olhos, mais arregalados do que nunca, mirados no teto.
-Desgraçado... Desgraça de vida... O que vou fazer? Preciso pensar... Preciso pensar... Maldita mensagem, só pode ser a Julia. Vou esmagar essa piranha.
Lia e sua mãe apreciava, aos prantos, algumas fotos de Adalberto. Sentadas na cama, elas se abraçavam e choravam muito.
-Ele queria voltar, mãe... Ele me amava de verdade... Eu o desprezei... Eu fui a culpada por tudo.
-Para de falar isso, menina! O culpado é o assassino! Você não esperava que isso fosse acontecer!
-Aquele homem... Ele me acusou, e com razão, mãe. Eu não o matei com minhas mãos, mas fui o pivô de tudo isso. Se não fosse eu, ele estaria vivo hoje!
-Filha... O destino de cada um já está traçado, desde o dia do nosso nascimento.
-Não acredito nessas coisas, mãe. Não acredito em mais nada.
Lia apertou uma fotografia de Adalberto contra o peito. Elas ouvem o telefone tocar na sala.
-Deixa que eu atendo, prontificou-se a jovem.
Ela correu até a sala, secando as lágrimas. Ao atender, mal disse alô, e já foi logo atacada verbalmente:
-Vagabunda, você não vai me escapar. A justiça pode te deixar livre, mas eu não. Você matou meu melhor amigo e vai pagar caro por isso.
-Eu não matei!!!!!!!!!!!
Lia escancarou sua voz, com toda a força da alma. E caiu de joelhos, com o fone na mão.
Dona Beatriz correu para acudi-la. Ela abraçou a filha, apanhou o fone de sua mão. Não havia mais ninguém na linha.
Havia se passado meia hora quando Euclides saiu do quarto. A casa estava completamente no breu, com a exceção de um raio de luz que escapava pela fresta da porta do quarto de Charles.
Antes de ir até lá, passou na cozinha e apanhou uma faca bem afiada na gaveta. Escondeu na bainha da calça, sob a camisa. Caminhou lentamente até o quarto do tio.
-Tio?
Não ouve resposta. Ele abre a porta devagar. A cama está fora do lugar, e o tapete enrolado. Há uma porta instalada no chão, e está fechada. Euclides puxa a alavanca da porta, e ela se abre externamente. Há uma escada em vertical. Ele desce com cuidado.
Lá embaixo, encontra seu tio. Ele estava fazendo uma pintura.
-Tio, eu vim lhe pedir desculpas.
-Não precisava disso. Se eu não confiasse em você, já teria te expulsado daqui.
-Obrigado... Mesmo assim, não quero comprometer o senhor com meus problemas. Amanhã vou embora.
-Faça o que achar melhor, Euclides. Já é bem grandinho...
-Vai mesmo depor contra mim?
-Direi a verdade, já disse.
Euclides fica cabisbaixo, como quem lamenta por algo que irá acontecer...
-Ok... Lindo esse lugar, hein? O senhor de fato é um artista.
-É meu maior lazer...
-Eu preparei um lanche pra gente lá em cima. Vamos comer um pouco, e conversar?
Charles o olhou com uma certa estranheza. Guardou o pincel em um estojo.
-Estou mesmo faminto. Vamos.
Ele passa na frente de Euclides, que o acompanha. Ao estar subindo a escada, Euclides arranca a faca da bainha e, sem pestanejar, a finca na coxa do tio, e puxa de volta.
-Ahhhhhhhhh! – Berra de dor.
Ainda que ferido, ele continua a subir. Euclides segura sua perna esquerda, a ferida, e puxa com toda sua força. Charles se agarra no degrau e tenta chutar Euclides. Euclides o ataca novamente com a faca, rasgando toda sua perna. O sangue espirra para todos os lados, inclusive no rosto pálido do assassino, que mesmo assim, não interrompe sua ação. A cada facada, ele sentia mais vida dentro do peito. Era uma diversão, quase. Era êxtase, era o auge da vida. Ser mais poderoso que o outro, nem que seja por poucos instantes.
-Pare com isso, seu louco!! Desvairado!!
-Eu tenho que te impedir!! Não posso me prejudicar por causa do seu maldito depoimento!
-Eles vão descobrir de qualquer maneira!!! – Urrava, enquanto Euclides cortava toda sua perna.
-Se não largar, eu vou decepar sua perna com uma faca doméstica!
-Por favor... Se eu largar, vai me matar de qualquer jeito...
-Não quero matá-lo! Desça!
Charles desceu um degrau, com cautela. Desesperado, ele pula sobre Euclides. Euclides cai no chão com o peso daquele corpo sobre o seu. Charles agora está sobre Euclides. Mas... Os olhos estão esbugalhados... Euclides com seu olhar epilético, vivo. Charles, com seu olhar esbugalhado, lutando pela vida. Suas mãos esmorecem. Ele não se mexe. Apenas olha fixo no olhar de Euclides.
Euclides o empurra vagarosamente para o seu lado direito. O corpo cai, mórbido, mortificado. Cai de barriga para cima, com a faca inteira cravada na boca do estomago. Ao pular sobre Euclides, ele cai sobre a faca que estava em punho na mão de Euclides... Euclides olha para seu semblante aterrorizado. Ainda estava vivo, no resquício da vida. A respiração já cessava.
-Eu não queria... Eu só queria te prender aqui... Mas, pensando bem, foi melhor assim. Grande arte a minha, não? A de matar. Como é gostosa essa arte... Meu lazer. Olha, tio, o meu irmão fui eu quem matou também. Só to dizendo isso agora porque sou bonzinho, e quero te livrar desse fardo antes de morrer. Você não tem culpa de nada. Eu que o empurrei na piscina e o deixei lá, se afogando. Pra minha sorte, você pagou de bode expiatório. Mas... É isso. Fim da vida.
Estava morto.
Mais uma vítima.
Euclides sorriu, aliviado.
Euclides sorriu.







CONTINUA NA PROXIMA SEMANA...

3 comentários:

Andréa Amaral disse...

Lohan, estou quase pedindo um pouco do sangue que o Euclides derrama para ter fôlego para continuar a leitura desta saga que não termina nunca...
Já posso visualizar esta história nos cinemas de todo o Brasil, pois já virou roteito e dos bons. Mas espero que realmente o final esteja próximo, pois entre uma leitura e outra já estou quase confundindo os personagens. Beijos.

Lohan disse...

rsrs, pode deixar, o fim está muito próximo!
Seria um dos maiores assassinos do cinema brasileiro, não?
Bjão Andrea!

Ivelise Zanim disse...

Temos um serial killer,atacando todas suas vítimas e prováveis.....quem se colocar em seu caminho, será com certeza seu próximo alvo condenado a morte....
Aguardo c/ ansiedade pra ver quem será a pessoa que conseguirá por um fim a esse personagem tào nefasto como o Euclides....
bjus Ivelise