segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Com licença


Primeiramente quero pedir licença aos autores de segunda feira por estar invadindo este espaço, será só dessa vez, prometo; depois quero me desculpar por minha ausência no blog. Quero que saibam que não deixo de acompanhar e comento quando posso. Estou ainda sem a conexão com a internet na casa nova e isso está demorando mais do que eu previa. Entro em uma Lan house quando posso e quando me sobram alguns trocados (aqui costuma ser meio caro), mas jamais me desligo deste espaço aqui, onde encontro pessoas tão queridas e talentosas.
Não tenho tempo pra ouvir minha Blip.fm; minhas caixas de emails estão socadas de mensagens não lidas; a Caixa de Pandora está lacrada e com uma etiqueta de "Cuidado! frágil" colada em cima, apenas para me lembrar que ali estão os mais delicados sentimentos que já pude colecionar; Não tenho sido uma boa sócia dos Autores S/A, mal tenho aparecido na 'empresa'; Não tenho tido tempo para materializar todas as ideias que me chegam a mente, não tenho atualizado minhas insanidades, tampouco as tenho postado nos blogs que tanto amo; Não tenho tido tempo nem para o Twitter em seus míseros 140 caracteres; Tenho lido seletivamente alguns dos blogs que adoro, mas quanto a comentar algo, aí já são outros quinhentos que o tempo não me permite; não tenho assistido aos super lançamentos dos cinemas; não sei nada sobre a novela das oito (ok, eu nunca soube); não sei qual é o point da balada (quanto à isso, dane-se também).

Estou numa fase de mudanças em diferentes níveis, cidade nova, casa nova, trabalho novo, amigos novos, mudança interior e uma certeza ainda mais latente: eu amo escrever. Deixei muitas coisas para trás, algumas pessoas, velhos hábitos, uma vida da qual já estava cansada e algumas decepções. Trouxe comigo a vontade de vencer, a disposição para mudar o que mais for necessário e como amiga inseparável, ela, a vontade de escrever. Sinto falta de pouquíssimas coisas que lá deixei e de alguns amigos que lá conheci. Trago sempre comigo caneta e papel, meu kit de sobrevivência neste mundo cada dia mais louco. Me sinto sozinha ainda, mas escrever ameniza a solidão (ou acentua?)...

Pois bem, o fato é que os textos continuam passando diante de meus olhos feito uma projeção de slides. As ideias vêm e vão a todo momento, mas são datilografadas apenas no plano mental. Atualmente ando escrevendo com uma caneta sem tinta, e grifando meus trechos favoritos com marcadores etéreos. Enquanto folheio páginas sensoriais e viro páginas importantes de minha própria vida, me deparo com as tantas páginas em branco, esperando por algo novo que as preencha dignamente. E é exatamente isso que tem ocupado meu tempo: tomar nota de todas as novidades que estão acerca de mim, conduzir minha própria história, conhecer os inúmeros personagens que se apresentam diariamente, imaginar seus possíveis desfechos, entender o enredo do qual passei a fazer parte, editar os capítulos que se tornarem repetitivos e pelo menos neste caso, não me preocupar com o final.
O início de tantas coisas pode ser algo desafiador, mas poder acordar e respirar novos ares, caminhar sob a luz do sol e ter os pés banhados pelo mar, me dá uma certeza revigorante de que embora eu não saiba exatamente onde estou, de modo algum eu estou perdida.
Obrigada a todos pela paciência, beijo no coração de cada um, volto muito em breve...

domingo, 29 de novembro de 2009

Quis te dar um presente



Quis te dar um presente,
mas as lojas
só vendiam passado

Glee

Glee é uma forma de música coral tipicamente inglesa para vozes masculinas sem acompanhamento, muito popular no século XIX (Fonte Wikipédia).


Só isso? Não! Glee também é o título do novo seriado produzido nos EUA. No Brasil, a primeira temporada está sendo exibida no canal 45 de tv por assinatura Fox.

A temática do seriado gira em torno do “renascimento dos chamados losers” através da música. Para quem não sabe, loser significa perdedor, fracassado; e na terra do Tio Sam aquele que é considerado um loser sofre pra valer. Na verdade, geralmente os losers são os que possuem coeficiente de inteligência acima da média (nerds), os homossexuais, os obesos, os portadores de necessidade especiais, entre outros. Ou seja, são aqueles que diferem do padrão estético/social. E este preconceito, infelizmente, é fortemente disseminado nos colégios americanos. Não à toa os filmes colegiais estadunidenses freqüentemente enfatizam a segregação entre os alunos de uma mesma escola: numa mesa, estão os losers; noutra mesa, as "patricinhas"; em outra mesa, os estudantes negros; e por aí vai...


Sob pressão e alvejado pelos mais diversos tipos de preconceito, um loser precisa “suar a camisa” para realizar seus sonhos, conquistar suas metas. E neste seriado, eles encontram uma grande oportunidade em um coral comandando pelo professor de espanhol Wil Shuester (Ryan Murphy).


A aluna que inscreve seus vídeos no Youtube sonhando em ser famosa; o jogador de futebol americano que sonha em ser cantor e é ridicularizado por isso; um jovem homossexual que é diariamente lançado na lixeira do colégio; uma negra obesa que não admite ser backing vocal; uma descendente de japonesa, emo e gaga e gótica que corta o cabelo de suas bonecas; e um cadeirante que toca guitarra e freqüentemente é chamado de aleijado por uma professora insuportável: este é o time de losers que compõe o coral.







Quando o coral, que antes desacreditado, começa a ganhar notoriedade, uma série de intrigas e armações ocorrem para desmanchá-lo, tudo por conta de invejosos professores que não admitem serem menos prestigiados que um jovem professor com um coral formado por losers.


Apesar de suceder grandes sucessos musicais como “Rebelde”, novela mexicana, e “High School Musical”, trilogia cinematográfica americana que conquistou milhares de fãs no mundo inteiro, o seriado Glee pretende transmitir uma mensagem que vai muito além das velhas fórmulas utilizadas pelos americanos nessas produções: a quebra do preconceito.


O seriado Glee mal estreou nos Eua e já bate recordes de audiência. As músicas cantadas na série (versões de grandes sucessos consagrados como “Don’t stop believing, do Journey, e “Somebody to love”, da banda inglesa Queen), são as mais baixadas da Internet nos Eua, segundo o iTunes.


Até então, seria injusto classificar o seriado Glee como sendo “mais um besteirol americano”. Com muita irreverência, humor, e fantásticas apresentações musicais, o seriado cumpre muito bem seu papel de socialização, não poupando críticas ao sistema discriminatório que paira na educação dos Estados Unidos da América.


Para quem estiver curioso em apreciar “o novo vício da tv” e quiser se tornar o novo “gleek” (como são conhecidos os fãs de Glee nos Eua), Glee é exibida toda a quarta-feira no canal 45 pela tv por assinatura (Fox), às 22:00 hs, com reprises nas quintas-feiras.


Abaixo, um promo da série:

http://www.youtube.com/watch?v=TTzB8W8shi8&feature=related

Aquele abraço!

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Ao acaso.





Os fatos ocorriam sem origem sabida,
com meio geralmente turbulento,
sem diagnóstico do fim.
E assim ocorriam as mutações...
Com intervalos de cachoeiras,
cheiro de mato e céu azul.
Relaxar era consequência, inevitabilidade;
e sem saber o porquê, a intuição.
Trajetória incerta, vagante,
feito vagalume no ar.
Registrar.
Na memória e na solidão
Escrever no chão.
Em vão?
Sem papéis,
possível revés...
e encontrar,
deixar correr,
dar vazão,
inflamar-se de tesão,
nas águas se perder,
nas águas se encontrar,
sem medo de se permitir,
o mistério do fluir.
Os ciclos do viver.
Noite ou dia?
Não importava, jamais.
Os fatos ocorriam sem origem
ou hora marcada.
É o que basta.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

de quando em vez... o amor...


“o amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato
o amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço* [...]”


do que eu nem sei que sou, agora.
do que nem sempre sei... se sou... ou era...
de ontem, e hoje, e saudades e mais,

...sejam os ventos essas levas de esperança
sejam as flores essas memórias minhas
o que vem de tempos e antiguidades...

feito sombra na parede o teu retrato
feito seta em meus olhos o teu brilho
há quantas vidas essas vidas se habitam?

de caminhos tortos o caminho
do que é fogo e ar vaidade nossa
do que é vida e vida – vida adentro

em quantas paredes outras nosso desenho?
em quantas esfinges tantas nossas perguntas?
em quantos olhos antigos nossos olhos?

do que hoje sou, nem sei
só sei que sou, contigo
de vento e flor – sorriso meu.


“O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos
O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte*”

(* Dos três Mal Amados, Cordel do Fogo Encantado)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sem dono

Encontrou-o ali mesmo, ao levantar a porta. Primeiro o susto, depois voltou cauteloso, o tamanho realmente intimidava, tentou acorda-lo, mas a voz era tremula e fraca, tentou adotar um tom mais ríspido ao toca-lo de sua porta mas não percebeu nenhuma reação.
Entrou por alguns instantes e voltou com uma vassoura, cutucou-o com a ponta do cabo, primeiro timidamente, depois sacudindo-o com violência, a vassoura pronta para servir-se de arma a qualquer instante. Diante de sua impaciência, finalmente ergueu a cabeça devagar, mas logo tornou a deita-la. Continuou a cutuca-lo incansavelmente até que a cabeça virou-se. O rosto feroz que imaginara, não passava de um par de olhos velhos e pedintes... talvez a carne do dia anterior ou apenas um pouco mais de repouso, a expressão denunciava o corpo já sem força, que mal acordava já tendo de mover-se.
O silencio momentâneo o encoraja a aconchegar-se novamente ao piso , mas logo é outra vez cutucado, com mais energia, enxotando-o em definitivo.
Ignorando a urgência, em sua lentidão de velhice nova, começa a se levantar aos poucos. Ainda lança um ultimo olhar, pedinte de qualquer coisa, apanha o cobertor rasgado, a garrafa vazia e parte em silencio, à procura de mais sossego.
Ele observa-o da porta até que desapareça, olha para os lados, percebe a vassoura nas mãos e poe-se a varrer a calçada, resmunga impropérios, comenta o ocorrido com algum amigo invisível e prossegue seu dia normal.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O homem que queria ser outro - Parte 11 - Começo do fim



Já era novo dia quando Seu Vilela tomou aquela decisão. Após duas noites mal dormidas, infestadas por pesadelos escabrosos – todos eles protagonizados pela mais recente falecida do prédio, Dona Hilda – o porteiro não se agüentou mais e resolveu dizer o que sabia. Talvez não fosse nada, mas talvez... Fosse tudo.


Rodolfo, pai de Euclides, saía de casa mais cedo naquela manhã de sexta-feira para o trabalho. Devido o luto pela morte de sua mãe, não trabalhara nos últimos dois dias. Amália ainda dormia, a base de calmantes.


-Não vai tomar nem café, Seu Rodolfo? – Indagou a jovem empregada, encontrando o patrão na sala.


-Não, eu como alguma coisa na rua, não se preocupe. Estou atrasado, cheio de coisas pendentes. E aquele rapaz, ligou?


-Não senhor. Nenhuma notícia do seu...


-Ele não é mais meu filho. – Cortou, friamente.


Ajeitou a gravata e disse:


-Não deu notícias desde o enterro... Se for encontrado flutuando no meio do lixo num rio sujo desses qualquer, eu não irei me comover nem um pouco.


-Não fala uma coisa dessas, Seu Rodolfo...


-Quem é você pra dizer o que devo ou não falar? Aquele maldito cuspiu na cara do homem que o sustentou a vida inteira. Até mais.


Ao estar cruzando a portaria, Rodolfo é abordado pelo porteiro, que sai rapidamente detrás do balcão, interceptando o empresário.


-Bom dia, Seu Rodolfo... – Sem jeito.


-Bom dia. O que houve?


-Tava mesmo te esperando. Eu preciso conversar uma coisa com o senhor... É...


-Seja breve, estou atrasado.


-Ah, me desculpe, não se preocupe, eu falo outra hora então...


-Do que se trata?


-É sobre a morte da sua mãe.


Rodolfo se mostra mais interessado.


-O que tem a morte da minha mãe?...


-Não quer se sentar?


-Não. Diga.


-Está bem... Na noite que sua mãe morreu, eu estava na portaria e... Vi o seu filho, o Euclides, sair do prédio por às sete horas da noite. Lembro-me perfeitamente, pois estava começando a novela que assisto. Ele tinha um envelope debaixo do braço. Ainda brinquei com ele, perguntando se não estava indo tarde à faculdade, e ele respondeu que não ia a faculdade, mas que ia dormir fora porque tinha brigado com vocês.


-Não entendo onde quer chegar, Seu Vilela. Seja mais direto, ande.


-Sim... Bem, então, na quarta-feira, já confirmada a morte da Dona Hilda, que Deus a tenha, a vizinha de vocês, Dona Jurema, veio comentar comigo que ouviu um barulho semelhante a de uma pessoa rolando da escada. Ela foi lá, tocou três vezes a campainha e ninguém a atendeu.


-Lógico, a porta devia estar trancada, o Euclides já tinha saído.


-Aí é que está o xis da questão, Seu Rodolfo – Disse, a um sorrisinho malicioso, como quem esconde o maior segredo da humanidade – O Euclides ainda estava em casa.


Rodolfo não compreende.


-Como pode afirmar isso?


-A Dona Jurema jurou de pé junto que ouviu o barulho as vinte para as sete da noite, hora do remédio dela.


-Não, ela pode ter confundido... Ninguém pode ter tanta certeza a respeito de horários como vocês dizem ter...


-Não há engano. Se ele estava em casa, por que não ter atendido a porta? Por que não chamar socorro médico, ou a um vizinho que fosse? Há caroço nesse angu. Eu estava com medo, sabe, de contar. Mas não consigo dormir a noite por conta dessa informação. A imagem de sua mãe aparece nos meus sonhos, me obrigando a dizer tudo isso pro senhor.


Rodolfo estremeceu dos pés até o último fio de cabelo. Fechou a mão com força, depositando naquele gesto toda raiva que brotava do seu peito. Seu Vilela, já completamente constrangido, pergunta:


-Fiz certo ter dito isso pro senhor?...


-Fez, claro que fez. Esse desgraçado vai ter que explicar essa historia direitinho. Ah vai!


-Não cometa nenhuma besteira. Se ele souber que falei...


-Ele não vai saber, pelo menos por enquanto... Mas esteja preparado para depor na Justiça, se for preciso. Eu vou tirar essa história a limpo. Não conte nada a minha esposa – Disse, saindo.


-Ei, Seu Rodolfo!


Rodolfo vai até o estacionamento do prédio, bufando de raiva e apreensão. Ele dá partida no seu carro, e toma o asfalto.


-Onde vou achar esse cara...


Naquela manhã, os colunistas do jornal Boca do Povo foram todos convocados, via telefone, para uma reunião de pauta de última hora. Euclides e Ariano, que estavam “em falta” com os serviços do jornal, precisavam comparecer.


Euclides chegou às nove e meia na redação – meia hora antes do previsto. Estava bem arrumado, vestindo uma camisa vermelha da cor do sangue que derramara na noite anterior. Tinha em si uma aura de contentamento e naturalidade incrivelmente visível e genuína. Cumprimentava os amigos com sorrisos e apertos de mão. Lia não compareceria pois estava assaz debilitada. Porém Julia lá estava, recepcionando os jornalistas em uma sala separada para tal reunião, comandada pelo editor Haroldo.


Euclides preferiu esperar do lado de fora da sala. A sala, que tinha a parede que dava para a central da redação composta de vidro transparente, permitia que as pessoas do lado de fora enxergassem todos os movimentos do seu interior; no entanto, não se podia ouvir o que lá era dito. Através do vidro, Julia e Euclides trocaram um olhar fulminante. Aquele ódio surdo que um sentia pelo outro era sempre exposto no olhar.


Euclides tomava um café quando Ariano chegou. Ariano retraiu-se ao ver “o amigo”. Não sabia como agir, não tinha planejado nada para esta situação.


-Tudo bem, Ariano? – Pergunta Euclides, notando a palidez de Ariano.


Euclides se dirige a ele.


-Eu, eu... Eu to bem sim. E você? Como passou a noite depois daquela confusão toda de ontem?


-Passei uma noite instável. Fiquei preocupado com a Lia, apesar dela ter me acusado do roubo do celular.


-Ela não te acusou.


-Indiretamente, sim.


-Onde dormiu? Voltou pra casa dos seus pais?


-Não. Passei a noite na casa de um tio, que por sinal viajou. Mas ele é muito gente boa, cedeu a casa pra mim. Sabe da minha situação lá em casa, e que passo um verdadeiro perrenhe.


-Estava pensando... Não acha que sair de casa justo agora, com a morte da sua avó, não foi um erro?


-Diz isso porque não está na minha pele.


-De fato, eu não queria estar...


-Por que? O que está insinuando, Ariano?


-Nada, ora! – Sorri Ariano, já mais calmo, dominando a situação.


Euclides “fareja” a ironia do amigo.


-O seu pai é advogado da Lia agora. Ela terá mais ligação com você... Com certeza eles estão manchando a minha imagem, estão me desmoralizando na sua presença. Eles sabem que temos uma forte amizade, e estão tentando abalar isso. Não é isso, meu irmão?


-Eu não sou seu irmão.


Essas palavras dilaceraram o coração de Euclides.


-Como?...


-Sim, Euclides. Infelizmente, você está no caminho deles...


-Eu já esperava por isso... Essa frieza vinda de você... Eles devem ter feito uma verdadeira lavagem cerebral em você, Ariano.


-Euclides, se coloca no meu lugar: em quem devo confiar? Estou entre a cruz e a espada. Entre a mulher que amo e o meu... O meu melhor amigo.


-O que eles disseram a meu respeito? Eu tenho o direito de saber.


-Não posso contar. Meu pai é advogado, seria anti-ético.


-Você é meu melhor amigo, terá coragem de me apunhalar pelas costas?


-Eu não estou te traindo! Se realmente é inocente, não tem a que temer.


-Claro tenho... E se até eu conseguir provar minha inocência, nós dois deixarmos de ser amigos, hein? Eu temo por isso, Ariano. Por tudo que há de mais sagrado, acredite em mim. Tudo que a Lia diz a meu respeito é mentira. Ela está tentando transferir a culpa dela para cima de mim, que fatalmente estive com ela, naquela maldita sala!


-O que foi fazer na sala dela, Euclides?


-Fui telefonar pros meus pais, perguntar sobre minha avó. Estava muito abalado, eu... Nossa, isso é muito triste... Já não basta todo sofrimento que venho passando...


Euclides esboça algumas lagrimas. Ariano se sensibiliza lentamente... Entretanto, o ciúme dentro de si fala mais alto.


-Mas há tantos telefones na redação, inclusive na nossa sala. Por que justo o dela?


-Ela me convidou a ir até lá. Falsa... Já devia ter em mente todo o plano para me incriminar. Se aproveitou do meu desespero naquele momento...


-Não fale assim dela.


Os dois se olham seriamente.


-Prefere a Lia a mim? – Indaga, incrédulo.


Ariano inclina a cabeça, confuso.


-Hein, me diz, olhando nos meus olhos, Ariano – Diz, agarrando os braços de Ariano.


-Solta os meus braços, agora. – Ordena, olhando no olhar epilético de Euclides.


Euclides se contém, percebe que já estava indo além dos limites, e recolhe seus braços.


-Desculpa... É que... Eu não me conformo por você ter caído na armadilha dela. Não me conformo, Ariano. Pois bem... Não me precisa me responder nada. Prefira a Lia a seu melhor amigo. Acredite na mulher que nunca quis nada com você, e provavelmente nunca vai querer, e despreze o cara que se tornou seu amigo do peito, o cara capaz de ceder a vida por você. – Desabafou, agora inundado pelas lágrimas – Acredite no que quiser... Ariano.


Euclides vira a costas para Ariano e caminha até o banheiro. Ariano leva as mãos ao rosto, completamente atordoado. Respira fundo. Em quem devia confiar? Euclides também fora convincente. Seria ele um psicopata, como dissera seu pai? Seria ele, de fato, um bom homem, um irmão? Lia seria realmente esse poço de delicadeza que aparentava ser? Seriam todas aquelas evidencias contra Euclides verdadeiras? Lia não poderia ter forjado tudo isso? Afinal, de que lado deveria ficar?


A reunião se inicia. Ariano e Euclides, cada um de um lado da mesa, um defronte o outro. Compondo a mesa também estão outros quatro jornalistas, além de Julia e Haroldo.


-Convoquei a todos vocês porque preciso definir algumas metas para o nosso jornal. E a principal delas gira em torno do novato colunista Euclides dos Santos. – Anuncia Haroldo.


Euclides se remexe em seu assento.


-Em que posso ajudar, senhor?


-Pensei bem a seu respeito... E voltei atrás quanto àquela idéia de colocá-lo no mesmo dia que seu companheiro Ariano Bezerra. Não quero misturar as coisas. Não obstante sua eximia capacidade como escritor de crônicas literárias, prefiro mantê-lo em seu posto, o de cronista esportivo.


-Mas... Espera, já estava tudo acertado! – Rebate ele.


-Como não oficializamos nada, não havia nada acertado.


-O que ou quem lhe fez mudar de idéia assim, repentinamente?


-Não acha que está sendo muito petulante, rapaz? Deseja manter seu emprego neste jornal? Pois então exijo respeito às minhas decisões! – Esbraveja.


-E eu exijo uma explicação! Fui enganado, ora! Iludido com uma proposta que o senhor dava como certa. Isso é correto da sua parte? – Continua, sem temer o editor.


-Quer explicações, Euclides? A sua mentira foi um dos fatores que me levaram a essa decisão. Não houve confusão alguma no setor esportivo. Você inventou, pra justificar sua insatisfação. Odeio mentiras.


-Me perdoe por isso. Mas... Aposto que há alguém por trás dessa mudança. Alguém que quer me ver mal... – Diz ele, capciosamente, olhando fixo para Julia.


-Ninguém quer o seu mal aqui dentro, Euclides. Você mesmo está atraindo o mal para você. Seja mais humilde, é um conselho que lhe dou. Caso não aceite o seu cargo... Não posso fazer nada, a não ser solicitar sua demissão.


-Não quero que solicitem a minha demissão. – Diz, erguendo-se perante a todos – Eu acabo de me demitir. Estou saindo deste jornal. Jornal sem credibilidade, bagunçado. Onde o editor se perde nas suas decisões, ilude seus jornalistas com convicções falsas. Não é neste antro que desejo crescer profissionalmente. Quero me desculpar com meu amigo Ariano, que foi o mediador da minha contratação. Ele acreditou no meu potencial e me trouxe até vocês, que não souberam aproveitá-lo. Ariano, me desculpe.


Todos, perplexos, se voltaram para Ariano – o mais perplexo de todos.


A porta da sala se abre, abruptamente. Todos agora dirigem seus olhares para a entrada.


-Eis o desgraçado que pus no mundo. – Diz Rodolfo, a um riso amarelo.


-Ei senhor, volte! – Ordenou uma moça, segurando o braço do pai alucinado. – Eu avisei que não podia invadir assim!


-Quem é você? – Pergunta Haroldo, levemente assustado.


-Eu sou o pai desse cara que está de pé, na frente de vocês. Aliás, eu fui seu pai... No enterro de minha mãe, ele cuspiu em meu rosto. No rosto do próprio pai. É este o exemplo que se espera de um filho? Um filho inútil jamais será um bom profissional. Jamais será alguém na vida. Contrataram o cara errado.


-De o fora daqui, pai! – Vociferou Euclides, furioso.


-Quem é você pra me expulsar de algum lugar? – Disse Rodolfo, se aproximando de Euclides.


-Não tem seguranças nessa redação? Tirem esse louco daqui, ele não sabe o que diz! – Clama Euclides, virando-se para Haroldo.


-Vamos manter a calma! – Pede o editor, se levantando.


Rodolfo agarra no colarinho da camisa de Euclides.


-Canalha... O que você fez com a minha mãe?!!! – Gritou, sacolejando o filho.


Euclides o empurra. Rodolfo reage, acertando um soco de esquerda no olho de Euclides. E não cessa. Ele golpeia o filho novamente, com um novo murro. Euclides, tonto, cambaleia para trás, e perde o equilíbrio. Ainda tenta se apoiar no respaldo da cadeira, mas cai. Rodolfo sobe sobre Euclides, imobilizando-o.


Julia faz sinal para que Haroldo não fizesse absolutamente nada. Os demais permaneceram intactos, observando a briga. Ninguém ousou interferir, nem mesmo Ariano. Jornalistas que ouviam a balburdia vinham correndo presenciar a luta.


Rodolfo aperta o pescoço do filho.


-Vai, me conta a verdade, seu moleque! Me conta, o que você fez com a minha mãe?!!


-Me solta, pai, por favor... Eu não fiz nada... – Diz, com esforço.


Rodolfo aperta mais o pescoço de Euclides, agora com as duas mãos.


-Você matou a minha mãe, seu canalha!


E lhe dá mais um soco.


-Seu verme! Seu irmão era uma pessoa íntegra, ele sim devia estar vivo hoje, no seu lugar!


Mais um soco. Euclides já perdia os sentidos. O sangue já escorria no canto direito da boca.


-Eu só não vou acabar com sua raça agora porque quero sua confissão. Quero você pagando por todo mal que causou a nossa família. Seu filho da puta!


Agora, o soco derradeiro. Euclides apaga.


Rodolfo se levanta, com o suor escorrendo às bicas pelas faces. Arquejante, ele espera o filho voltar a si para lhe pronunciar as últimas palavras:


-Ainda não acabou.


Ele dá uma cusparada no rosto de Euclides. A saliva se mistura ao sangue naquele rosto pálido, roxo, quebrado.


-Esse foi pra pagar o cuspe que você me deu. Não te considero mais nada na minha vida. E saiba que agora mesmo irei até a delegacia abrir um inquérito contra você, pra apurar com detalhes tudo sobre a morte da minha mãe. Saiba que tenho testemunhas do que aconteceu. Este foi só o começo do teu sofrimento, Euclides.


Exaurido de tanto surrar o filho, Rodolfo deixa a sala, meio zonzo, com as mãos machucadas. Deixa a sala sem dar nenhuma satisfação. Tudo o que queria era dar a surra no filho. A surra que nunca dera e que, cá pra nós, veio em boa hora...


Ariano é o primeiro a se aproximar do corpo mórbido de Euclides no chão. Euclides, com o olho esquerdo inchado, sangue escorrendo do nariz e da boca, a vista embaçada – lhe estende a mão. Apenas lhe estende a mão trêmula.


Ariano o observa naquela posição por mais alguns segundos, hesitante. Euclides permanece com o braço estendido, e o olhar, antes epilético, agora está mortificado, clemente.


Por fim, Ariano segura em sua mão e o puxa. Euclides se levanta com o auxílio de Ariano. A redação estava silenciosa. Ninguém ousava dizer meia palavra sequer. Todos somente assistiam a tudo.


-Obr... Obrigado, Ariano. – Agradece Euclides, engasgando-se com o sangue que espirrava da língua.


-Chamem uma ambulância. – Pede Ariano, calmamente, segurando Euclides.


Euclides olha de esguelha para Julia, que lhe dirige um sorriso discreto.


Não demora muito para a ambulância chegar. Ariano e mais dois rapazes ajudam a carregar Euclides até a maca. Os enfermeiros o carregam.


Ariano ameaça ir junto. Julia segura em seu braço, em meio ao alvoroço, e diz:


-Não faça isso.


Ele se detém, um pouco contrariado. A ambulância parte. O coração de Ariano se parte.


-Este é o começo do fim. – Anuncia Julia a Ariano, retirando-se em seguida.



CONTINUA NA PRÓXIMA SEMANA...


Amar por amar e ponto!

Olá vocês aí da coluna ao lado! Como vão?
Convidaram-me para unir-me a vocês e registrar aqui um pouquinho de mim.
Então achei que deveria fazer como fazemos quando somos novos em uma casa.
Primeiro a apresentação: Claudia.
Era para ser Maria Claudia, mas foi Claudia Regina. E eu passei uma boa parte da minha vida sendo Claudia mesmo. Claudia vem de claudicar, que significa caminhar com dificuldade. Sabe Deus a razão! Acho que é porque eu me perdia no mundo das palavras. O ser humano é bem interessante com sua expressão. Nem sempre diz o que quer dizer. Nem sempre ouve o que está escutando... Mas eu fui aprendendo e sendo um pouco mais Regina com o passar do tempo. Regina é rainha. Conhecedora do seu domínio, da sua situação, do seu reino...
Hoje, Claudia Regina, caminho devagar por entre as pessoas, procuro perceber meus espaços, meus poderes e meus limites. E descubro cada vez mais que meu caminho é por aqui mesmo.
Eu gosto muito da vida, do ser humano, de conviver mesmo, de música, de ouvir e falar. Aliás, gosto da habilidade humana de se comunicar... Falando, olhando, tocando, escrevendo, lendo, sentindo...
E por essa razão eu já havia estado aqui algumas vezes lendo um pouco sobre suas idéias!
Foi a Andréa (querida!) quem me convidou! E vejo que vocês têm almas inquietas, curiosas, dispostas! Tão lindo isso!
Assim, atrever-me-ei a digitar umas letras por aqui, unindo-me a vocês! Exercendo algo tão necessário para nosso aprimoramento... Acolhendo, curtindo e respeitando as diferenças. Do modo de ser, pensar, escrever, sonhar, criticar! E falando sobre diferenças, eu lembrei de um fato bem marcante em minha história profissional, que fez marcas inesquecíveis em meu ser pessoal!
Aí está ela. Eu queria mesmo era fazer um livrinho infantil sobre esse tema, por isso diria que mesmo não sendo tão novo, tem direitos autorais em essência o que vou contar. Mas ao refletir sobre o que escrever hoje no Autores S/A, como estréia, achei merecidíssimo compartilhar com essa casa virtual esse sentimento real!
Um beijo em seus corações, um abraço forte aos que passarem por aqui!
Claudia


Com apenas seis anos, ela já sabia o significado de ser deixada de lado.
Com uma cicatriz nos lábios, seus coleguinhas da escola * mangavam dela, o que a fez desistir de ir à escola...

A mãe, já sofrida com o fato da filha ser portadora de uma fissura lábio-palatal, também sentia o coração cansado e por essa razão não insistiu que a filha voltasse à aula. Era demais!

Aqui estavam, depois de longa viagem, para uma nova consulta e possivelmente uma outra cirurgia. Quem nasce assim faz inúmeras cirurgias para ficar esteticamente melhor, o que não quer dizer livre de sinais evidentes de uma má formação.
Eu pensava em tudo isso enquanto a atendia...


Foi ela mesma quem me contou sobre como faziam as outras crianças. Foi ela quem provou que era melhor não mais passar por isso todos os dias. A mãe, evitando chorar na frente dela, deixou-nos a sós.

E eu nunca me senti de fato tão sozinha. Porque era eu e um abismo até chegar aquele coraçãozinho. Uma criança de seis anos já havia passado pela dor da indiferença que um ser humano é capaz de proporcionar ao outro.

E quando eu estava para concordar, com um sufoco no peito, convencida por um sotaque infantil vindo do nordeste, comecei a contar:
- Sabe? Existem dois tipos de pessoas com deficiências... As que podem ver as suas deficiências, e as que não conseguem ver as suas e passam a vida vendo a dos outros.


De onde eu tirei isso nem sei. Só sei que ela se aproximou da mesa e colocou os bracinhos em cima dela, olhando-me no fundo da alma... Eu continuei...

- E quando a pessoa sabe que tem um problema, nos olhos, nos lábios, nas pernas, nas mãos, ela sabe que precisa tratar para melhorar. E cuidará disso o quanto for preciso. Mas se a pessoa não souber que tem um problema, no jeito, no coração, no pensamento, pode ser que ela leve uma vida inteira para perceber e cuidar dele... Pode ser que ela precise que alguém lhe diga qual é o seu problema, mas como ela não sabe, não vê, ela pode não acreditar, e nunca melhorar... E tem mais! Para não saber sobre a sua deficiência, pode ser que ela passe uma vida inteira vendo e falando das deficiências dos demais... Os exames ajudam a ver o que temos por dentro, mas maldade, raiva, egoísmo, essas coisas não vemos assim...



Ficamos silenciosas por um tempo, segurando as lágrimas nos olhos. Eu pensava no que eu havia dito. Tão simples e ao mesmo tempo tão tudo. Ela interrompeu erguendo-se e alinhando sua coluna:



- É por isso que meus amigos ‘mangam’ de mim. Eles ainda não sabem! Vou voltar para a escola!



* mangar de alguém quer dizer rir dele, zombar dele
E eu soube que ela realmente retomou sua vida escolar depois. E eu? Eu aprendi com ela a olhar mais profundamente uma pessoa, a demorar a palavra sobre aquilo que eu desconheço, a desejar com maior intensidade que as pessoas sintam-se amadas e valiosas pelo que são como pessoas, nada mais!


Débito com juros?

Minha posição já está mais do que clara. Ou escura? Não sei, posso estar cometendo um ato racista. Preciso tomar cuidado com essas palavras, ah, essas palavras...

A meu ver, não existe raça, acho que já abordei esse ponto de vista em um dos meus textos. Existe o ser humano. Raça tem os meus cachorros, que por sinal, são lindos, Husky Siberianos. Qualquer dia posto uma foto deles aqui no blog.

Mas, voltando ao assunto que não tem fim, rs, eu gostei da entrevista do Gilberto Gil, um cantor que admiro. Também o admiro pela sua passagem na política brasileira. Graças a ele também que foi instituído no Brasil o programa que favorece a todos os estudantes do país, independente de cor de pele: O Pró-Uni. O processo compensatório nos Eua foi bastante eficaz, haja vista o homem que hoje assume a Casa Branca. Ora, mas por que Casa Branca, não podia ser Preta? Esses nomes, ah, esses nomes... Porém, não custa nada ver a formação do nosso amigão Obama. Graduou-se em Ciências Políticas pela Universidade Columbia em Nova Iorque para depois cursar Direito na Universidade de Harvard, a melhor Universidade do mundo. Só pra ressaltar, ele conquistou tudo isso sem cotas ou quaisquer privilégios concedidos pelo governo. Pelo contrário, os Eua são considerados um dos países mais segmentados etnicamente falando.

Obama atuou como líder comunitário e como advogado na defesa de Direitos Civis. Direitos dos cidadãos, independente de sua condição étnica.

Obama se tornou o presidente favorecido pela sua inteligência, sua competência, seus bons aliados, e uma série interminável de razões que não caberia citar aqui.

Obama possui “nas mãos” um país, composto por cinqüenta Estados e quase 300 milhões de seres humanos. Todos filhos da democracia. Existem filhos mais frágeis, ou menos favorecidos? Of course. E como apoiá-los?

Erradicar o mal pela raiz. Essa é a solução. Não há educação eficiente para tal Estado, ou, a saúde é precária noutra cidade; os negros estão sendo discriminados nas ruas das cidades... Constroem-se mais instituições de ensino. Reestrutura os hospitais. Transmita às crianças (crianças!), nas escolas, que se deve respeitar o próximo, independente da cor, credo ou classe social. Que a História inglória não se repita. Que hoje o mundo é globalizado, aberto a todos. Incutindo isso na nova geração, não serão necessárias cotas universitárias no futuro. Ora, não haverá mais discriminação. Conceder cotas, ou qualquer outro privilégio, é “tapar o sol com a peneira”. É agravar uma situação que já não é das melhores. É revoltar os que lutam com as próprias forças. Os asiáticos, por exemplo. Índices mostram que são quase todos aprovados nos Vestibulares da vida, sem cotas. A discriminação se torna revolta. E de uma revolta, pode nascer uma guerra.

A minha bisavó paterna era negra, e chegou a viver um curto período da escravidão quando mais nova. Um período lamentável, como foi também o da Inquisição. A Igreja Católica cometeu atrocidades contra os considerados “hereges”. Hoje, como compensar o que fez no passado? Eu, fiel, não tenho obrigação de compensar ninguém, assim como cidadão não tenho obrigação de pagar, com juros ainda por cima, pelo o que o minha bisavó sofreu no passado. Mas o Estado tem, então a Igreja também tem. E o Papa João Paulo II anunciou ao mundo inteiro um pedido de desculpas. Um pedido de desculpas apaga todo o passado? Não. Mas vale a pena pregar esse quadro negro na memória para sempre? Toda aquela obscuridade, onde reinava a ignorância, as trevas? Hoje somos seres humanos “avançados” intelectualmente em relação há tempos atrás, e não podemos ser tão medíocres a ponto de resgatar males de outrora para construir um futuro digno de sabedoria.

A maior parcela de negros e pardos habitam os morros, sim, e também sei o maior motivo disso. E morar no morro, ou passar alguma necessidade, justifica aquele assalto, aquela guerra do tráfico, aquela bala perdida que se encontrou no coração de uma criança, um ser humano inocente? O morro é uma triste realidade, e nela vivem pretos, pardos, brancos, tem de tudo lá. Que sejam concedidas moradias decentes a todas as cores que compõem tal aquarela. Educação e lazer, que impeça os jovens de adentrarem no mundo das drogas e dos crimes. Mas a todos, sem exclusão. O morro é uma aquarela manchada pelo vermelho do sangue.

Pra finalizar de vez meu discurso acerca desse assunto, quero dizer que, fosse eu um negro, hoje, me envergonharia de tanta demagogia política se apoiando nos alicerces da minha história, se apoiando no preconceito que eu sofreria na pele. Me envergonharia também das compensações, pois me sentiria subestimado, um ser incapaz de alcançar patamares elevados como os demais. Desejaria sim, prisão aos racistas, respeito mútuo, respeito às minhas crenças. Desejaria que isso fosse “martelado” mais vezes nas escolas, incutido na cabeça das crianças. Teria como ídolo não só Mather Luther King, ou Barack Obama, ou Nelson Mandela, ou Gilberto Gil... Mas todos aqueles que, independente de cor de pele, lutaram e lutam pelos direitos humanos, e não apenas dos negros, ou dos brancos, ou dos amarelos. Eu não me segregaria da sociedade que sim, deseja me ver segregado. Eu me faria surgir. Eu não lamentaria ter nascido com esta cor, jamais. Eu não seria preconceituoso com meus irmãos de cor, jamais, e nem com os primos e os tios de cor. Eu seria mais um simples mortal que busca seu espaço na sociedade. Eu seria uma pessoa sensata, que não se apóia em argumentos pedintes para me defender. Eu não ia querer receber, ainda com acréscimos, sem trabalhar; ia querer ser pago pelo meu suor.

(Por favor, selecionem a última oração)

Eu ia querer ser visto como apenas mais um filho de Deus.

domingo, 22 de novembro de 2009

Beija flor



Beijo a flor
como a beija
o beija-flor

A flor me beija,
mas não como beija
o beija-flor

Ele a beija
por fome,
não pelo sabor

Busco o odor,
ela, por fome,
me dá seu sabor

Saboreio a flor,
não por fome,
mas pelo odor

Tenho a flor,
mas não como a teria
se fosse beija-flor

Ela o tem,
mas não como me teria
se fosse minha flor

sábado, 21 de novembro de 2009

vida de negro é dificil

Lerê lerê
Lererê re rerê
Lerê lerê
Lererê rerê

Que ser sou eu?


Quero, antes de tudo, ressaltar que também muito o admiro e respeito, Sidarta. Creio que todas essas discussões são benéficas para o crescimento de nossa cidadania e, acima de tudo, nossa identidade, nosso ser. Mas... Ser o que?



Seu texto foi, como não podia deixar de ser, perfeitamente construído. Porém suas palavras não foram o bastante para me convencer do contrário. Prezemos pela humanidade, como bem diz o João. Ser humano é a única certeza que tenho acerca da minha vida.



A semana retrasada foi, na Universidade onde estudo (Estácio de Sá), a chamada “Semana de Letras”. Nesta semana, na qual ocorrem eventos dedicados especialmente ao curso de Letras, destaco aqui uma palestra que me fez parar para refletir sobre um aspecto: o que eu sou, etnicamente falando?



A palestra era sobre capoeira: sua origem, seus componentes, sua importância social/cultural, etc. Muito interessante, por sinal. Em determinado momento da apresentação, um dos mestres de capoeira tomara a palavra e dirigiu a nós, espectadores, um pedido.



-Quem é negro aqui levante a mão, por favor.



Eu, “branco azedo” que sou, não ousei erguer minha mão. Então, para o meu assombro, percebi que muitas pessoas ditas “brancas” levantavam seus braços; até mesmo uma professora, que compunha a mesa principal, ergueu seu braço euforicamente. Ela é branca... Ou não... Já não sei mais. Já não sei mais me definir quanto à minha etnia. Então o mestre concluiu:



-Todos nós aqui somos negros. Somos miscigenados.



Eu, leigo constitucionalmente falando, me perguntei: o que sou eu? Estaria eu ali, ao manter meu braço sobre a perna, cometendo um ato racista? Sou branco, sou preto, sou todas as raças misturadas? Afinal, o que sou?



Diante de tal encruzilhada multicolorida, me tornei adepto de uma nova idéia: sou humano. Esta é a minha condição, já basta para me definir. E, levando ainda em consideração o que disse o mestre, não existe etnia. Somos resultado de uma profunda mescla. Todos sempre foram.



Ora, sendo assim, o Dia da Consciência Negra é o meu dia também. Então as cotas universitárias devem ser abolidas por definitivo, uma vez que não há quem seja negro em específico. O negro é branco, e o branco é negro também. Ou os negros não podem ser brancos? Ou são pessoas que constituem uma raça superior?



Tudo bem, as cotas estão aprovadas pela lei. Que tolo fui eu, poderia ter requisitado a minha cota. Ora, eu sou negro também! Mas não. Eu não precisei recorrer a tal meio apelativo. Nunca estudei em escola particular, tampouco tive condições de pagar explicadores particulares. Não sou branco de classe média alta, antes fosse... Morar de aluguel numa cidade do interior que me oferece oportunidades mínimas de emprego, bem como outros recursos, como saúde e educação, não é fácil.



Antes de prosseguir, quero deixar bem claro que não estou tomando o assunto como pessoal. Estou apenas me usando como exemplo, que, coincidentemente ou não, cabe no texto.



Apesar dessas dificuldades, não desanimei. Corri atrás, tentei o Vestibular, a Prova do Enem. Lembro-me bem, inclusive, da minha ficha de inscrição para a prova do Enem... Havia a seguinte pergunta: qual a sua etnia? Eu, inocentemente, ou não, marquei a alternativa que correspondia a “branca (caucasiano)”. Pra minha felicidade, independentemente de ter optado por esta questão, fui bem sucedido nas questões que integravam a prova. Tive muitos acertos, fui bem na redação, fui aprovado. Após diversos planos burocráticos para comprovação de renda, fui aderido ao programa Pró-Uni, e agraciado com uma bolsa de 100%. Hoje eu posso dizer que a minha cota eu conquistei disputando com mais de 3 milhões de estudantes no país inteiro, e me orgulho muito disso. Conquistei apesar de ter concorrido com muitos estudantes chamados “filhinhos de papai”, que tiveram a chance de estudar a vida toda em um colégio particular, viajar para o exterior, ter contato com novas culturas, entre outras benesses. Vale ressaltar que existem muitos negros bem sucedidos na vida também e que, não obstante sua ótima condição financeira, ainda requisita sua cota por direito... Isso é direito?



Admito que os negros sofrem ainda muito preconceito. Mas não vejo que este seja o melhor caminho para que um dia essa realidade se modifique, ou mesmo seja extinta. Estudar História, se informar sobre dados do passado é, de fato, muito importante. No entanto, vivemos em uma época completamente distinta da de um século atrás. Precisamos nos ater aos contratempos da nossa era. A mulher, por exemplo, era quase um animal doméstico em tempos de outrora. Ela conseguiu dar a volta por cima com louvor, sem estabelecimento de privilégios políticos que influenciassem em sua guinada social.



Com todo respeito, Sidarta, creio que o que você chama de incômodo eu sinto como sendo mais uma forma de discriminação no nosso país.



Dentro da perspectiva de que não há etnia definida, de que em nossas veias percorre um sangue vermelho que representa todas as cores, eu não faço questão do dia da Consciência Branca, nem do feriado para o dia do Índio, muito menos do dia do Sushi em homenagem aos nisseis. Pra que, se somos todos iguais?



Percebo que muitos os que defendem esta causa são, além dos componentes do Movimento Negro, políticos. Políticos demagogos, em grande parte, eu diria, os quais temem serem prejudicados pelos negros em se tratando de eleição...



No caso da novela “Viver a vida”, prefiro acreditar que todas essas críticas à cena exibida no dia 16/11 fazem parte de um processo de desmoralização da emissora mais forte do país. Que me perdoe o internauta Chico Mendes, autor do comentário a respeito da cena, no Blog do Azenha; mas muitas metáforas surgem em mentes de pessoas maliciosas, cujo propósito está muito aquém da defesa da etnia negra... Uma polêmica totalmente sem cabimento (aliás, ultimamente estão “chovendo” polêmicas desnecessárias...). Já assisti a diversas entrevistas do autor Manoel Carlos, onde ele sempre frisa seu horror ao preconceito racial. A Helena, uma das personagens mais consagradas da teledramaturgia brasileira, é a mocinha (pensaram que eu fosse dizer que ela era negra, não? Que diferença faria dizer que desta vez a Helena é negra?). Mocinhos costumam sofrer em novelas, independente de serem de cor ou não. Quantas vezes a excelente atriz Regina Duarte, que por três vezes já viveu a personagem Helena nas novelas do Maneco (História de amor, Por amor e Páginas da vida), não foi esbofeteada, não foi humilhada, não sofreu durante a novela inteira? E a escrava Isaura, era negra por acaso?



O dia 10/11 foi um dia de importantes decisões no Senado brasileiro. Além do estabelecimento das cotas, dos 20% obrigatórios de trabalhadores negros numa empresa, entre outros direitos destinados exclusivamente aos negros, ainda estava em pauta a “obrigatoriedade de cota para atores negros em filmes, novelas e programas brasileiros, em todas as emissoras”. Por sorte, ou não, o bom senso prevaleceu neste caso, e este item foi eliminado da pauta. Ora, supomos que a produção cinematográfica abordasse a vida indígena no Brasil: onde se encaixaria um papel negro? Os roteiristas ficariam limitados a construírem seus roteiros. Seria mais um absurdo aprovado.



O negro precisa ser consciente da discriminação que está direcionando às demais etnias e à sua própria etnia. É desta consciência que me refiro.



Meu cabelo é amarelo, meu sangue é vermelho, minha pele é branca, meus pêlos são pretos, meus olhos são verdes. Eu sou um ser humano, como outro qualquer. Se um dia me perguntarem se sou negro, ou branco; se sou arco-íris, enfim; minha resposta será exatamente esta:


EU SOU UM SER HUMANO.