segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O homem que queria ser outro - Parte sete - Nocaute


Olá, meus amigos! Eis um capítulo inédito do "homem que queria ser outro". Grande abraço a todos, e boa leitura!


Seu Vilela, bem como os moradores mais íntimos da família Santos Figueiredo, se sentia um tanto quanto tristonho por aquela morte. Uma fatalidade, na verdade. Dona Hilda, não obstante a idade, não era uma senhora ranzinza, daquelas que falam mal de tudo e de todos por conta de uma dor reumática. As vezes ela descia e ficava horas conversando com ele na portaria, principalmente sobre novelas. Seu Vilela adorava novelas, sabia de cor todos os nomes dos personagens, todas as trilhas sonoras...
Naquela tarde, ele conversava com Dona Jurema, moradora do mesmo andar que a família Santos. Vizinha, para ser mais exato. Esta era a melhor amiga de Dona Hilda; não tão idosa quanto a falecida, 70 anos, mas de semelhante temperamento. Ambas se davam muito bem. Dona Jurema estava enlutada, pronta para ir ao enterro da amiga.
-Eu não consigo me conformar... Ela que sempre desejou morrer em seu leito, cercada pelos familiares... Coitada da Hildinha. – Dizia a mulher, apoiada no balcão da portaria.
-Era uma boa senhora... – Completou o porteiro.
-Mas o que mais me dá aflição foi uma coisa que ainda não contei a ninguém...
-Como assim, Dona Jurema? Nessas horas é preciso tudo dizer, até mesmo para desabafar, não acha?
-Sim, sim... Olha, eu vou contar pro senhor – Disse, em voz murmurante – Ontem a noite, quando fui tomar meu remédio, ouvi um barulho alto vindo da casa deles, como se fosse alguém rolando da escada.
-Virgem mãe! – Assustou-se Seu Vilela.
-Ouvi com esses ouvidos que a terra há de tapar! Era exatamente vinte para as sete da noite. Tenho certeza porque eu sempre tomo meu remédio vinte minutos antes da novela das sete.
-Mas o que a senhora fez? Não teve sequer a curiosidade de ir lá verificar?
-Pois eu não fui!? Eu fui sim! Toquei a campainha três vezes, e nada. A porta estava trancada. Ninguém me atendeu, então achei que fosse coisa da minha cabeça. Voltei pra casa. E só hoje, quando descobri o que aconteceu, que me veio tudo à lembrança. Se arrependimento matasse! Eu teria que dar um jeito de entrar naquela casa, tivesse chamado o senhor!-Claro! Mas não se culpe por isso. Seja como for, o acidente já tinha acontecido. Entrando lá ou não, já seria tarde demais. Mas... Tem coisa estranha aí...
-O que? Comigo?
-Não. A senhora confirma o horário que ouviu o barulho e tocou a campainha?
-Ah, está insinuando que tenho Alzheimer agora?
-De maneira alguma! É porque... Ah, esquece. É melhor a senhora se adiantar para o enterro.
Dona Jurema confere o horário em seu relógio de pulso.
-É verdade. Vou pegar um táxi e logo estou lá. Passe bem, Seu Vilela.
-A senhora também.
Dona Jurema se retira a passos vagarosos do prédio. Seu Vilela fica a olhar para o vazio, muito pensativo. Não quis afirmar nada, até por receio em realizar uma acusação infundada. Mas assim que tivesse a certeza absoluta, talvez procurasse vasculhar melhor este dado...
Euclides chega no velório da avó sem luto, com a mesma roupa do dia anterior. O caixão já estava sendo preparado para ser fechado. Ele é recebido por um tio, que aperta sua mão. Euclides demonstra muita tristeza no olhar, como de práxis em um velório, nada verdadeiro de sua parte. Seus pais, os mais próximos do caixão, olham para trás e vêem sua chegada.
-Olha como esse moleque vem ao enterro da avó... Chega atrasado, mal vestido. – Resmunga seu pai, irritado.
-Acalme-se, querido. Ele ficou sabendo agora, provavelmente.
-Ele nem devia estar aqui.
Irado, Rodolfo se desvencilha o braço da esposa e vai a direção ao filho. Ao confrontá-lo, diz:
-O que faz aqui, seu moleque?
-Como?... Eu vim ao enterro de minha avó, porque? Era proibida a minha entrada?
-Voce foi o culpado! – Grita, apontando o dedo para o filho.
Amália chega, e tenta conter o marido.
-Eu o culpado? Por que está me acusando?!
-Se não tivesse dado uma de marica e ficasse em casa com sua avó, esse acidente poderia ter sido evitado! Mas não! Ela ouviu toda a discussão, ficou nervosa, vai ver foi por isso que caiu da escada!
-Calma, isso não é hora para discussão! – Clama Amália.
As pessoas presentes já se viravam para prestarem atenção no embate entre pai e filho.
-A partir de hoje eu não coloco mais os meus pés naquela casa. Jamais o senhor poderia ter me dito uma barbaridade dessas... Eu amo a minha avó – Disse, em meio a lágrimas que saltaram de seus olhos – Dizer que fui o culpado só faz aumentar a minha dor... Acha que já não pensei nisso? Claro que pensei! Mas eu nunca podia prever uma tragédia como esta...
-Não vai por os pés naquela casa? Eu é que o proíbo! Vá viver a sua vida. Se vire! Cansei de aturar filho marmanjo a toa dentro da minha casa!
Euclides sente uma pontada no peito, de raiva e tristeza. Agora era um sentimento real, não simulado.
-Vocês são os pais que nenhum filho merece. Vocês desgraçaram a minha vida, seus desgraçados. Nunca viram em mim a pessoa que o meu irmão foi. Mas eu tentei, juro que tentei ser como ele. E não consegui, sabe porque? Porque fui e sou melhor do que ele. E isso vocês não repararam.
-Melhor que seu irmão... Há, - Gozou o pai – Se o seu irmão fosse vivo hoje, você ia saber o que é ser gente.
Foi o fim da picada para Euclides. Ele não se contém, e dá uma cusparada no rosto do pai.
Rodolfo avança em Euclides, agarrando o colarinho de sua camisa. Rapidamente os amigos mais próximos separam os dois. Rodolfo, inconformado, tentava se soltar de todas as maneiras para acertar um soco em Euclides.
-Eu te mato, seu ingrato!
-Sinta esse cuspe na sua cara, papai. Sinta o gosto, o cheiro dele. Sinta esse líquido escorrer pela sua face.Nessa saliva está presente todo o ódio que sinto por você. Toda a amargura que me fez passar todos esses anos. Pelo menos o meu cuspe você irá reconhecer. Vão todos para o inferno.
Euclides se solta dos braços dos amigos e se retira da capela do cemitério. Todos, sem exceção, ficam perplexos com aquela atitude de Euclides. Foi de uma frialdade tão grande, tão intensa... Rodolfo sente uma vertigem, e é socorrido pelos amigos.
Enquanto isso, Euclides sai em disparada do cemitério, secando as lágrimas que insistiam em rolar pelas suas faces, e, ao mesmo tempo, sorrindo um sorriso incontrolável. Aquela tinha sido a catarse de sua vida.
Tomou um táxi e foi até o prédio, a fim de recolher tudo que é seu. Ao entrar no prédio, logo é abordado pelo porteiro.
-E então, Euclides? Já aconteceu o enterro?
-Deve estar acontecendo nesse exato momento. – Respondeu, sem cessar os passos em direção ao elevador.
-Ei, Euclides. Espere só um minuto...
Euclides parou, bufando com impaciência. Ele se vira para o porteiro.
-O que foi, Seu Vilela?
-Eu entendo que não é hora pra isso, mas tem uma coisa me encasquetando aqui. Ontem a noite, por volta das vinte pras sete, a Dona Jurema relatou ter ouvido um barulho vindo da sua casa...
-Um barulho? – Espantou-se Euclides, já formulando um subterfúgio para aquela situação.
-É... E por acaso, nessa hora, você não estava em casa?
-Bem, eu... Eu estava sim, eu fui tomar banho. Ah, já sei, só pode ter sido a tubulação. Quando liguei o chuveiro, ouvi realmente um barulho muito esquisito vindo do encanamento. Fiquei até de avisar o senhor, ou o síndico, mas acabei me esquecendo...
-Sei... Então suponho que tenha sido por esse motivo que não ouviu a campainha tocar.
Euclides recordou-se da campainha soando. Mal assassinara a avó, e a campainha foi tocada três vezes. Foi um susto e tanto. Para sua sorte, a pessoa não insistiu.
-Ah, com certeza! – Sorriu – A campainha tocou? Nem sabia!
-Por que sua avó não atendeu enquanto você estava no banho?
-Minha avó, coitada, estava deitada em sua cama, no quarto. Até ela descer, e atender a porta... Mas o que é isso agora, um interrogatório?
-Ora, imagina! Quem sou eu! Um mero porteiro! Foi só curiosidade... – Sorriu, constrangido – Eu te peço desculpas pelas perguntas impertinentes.
-Eu desculpo o senhor. Mas lembre-se de uma coisa, um velho ditado que nunca é demais ouvir, Seu Vilela... A curiosidade matou o gato. – Concluiu, de modo sinistro.
Seu Vilela sente um arrepio, enrolando-se com as palavras.
-Ah, co, com certeza, me desculpe me, mesmo.
Euclides lhe dirigiu um risinho maldoso e retomou seu rumo.
Os olhos pequenos de Ariano se abriram, mirando o teto do seu quarto. Tinha o olhar turvo.
-Filho?
Sua mãe logo o acolhera em seus braços.
-Mãe... Onde é que eu to? – Muito aturdido, se sentando na cama, apoiando-se na parede.
-Acalme-se! Pra que essa agitação toda? Respira fundo.
Ariano obedeceu à mãe.
-Mãe, o que está acontecendo comigo?
-Você está na sua casa, no seu quarto, fique calmo. Não está acontecendo nada. Você só... Você superdosou o seu remédio, filho.
Ariano, ainda meio grogue, não consegue compreender.
-O que?
-Beba um pouco d’água.
Arlete entrega um copo d’água na mão do filho, que bebe devagar.
-Se sente melhor?
-Já... Me explica o que houve, mãe.
-Dois comprimidos do seu calmante foram dissolvidos no copo d’água. Pelo menos esta é a única explicação que eu e seu pai encontramos.
-Isso não é possível. Eu me lembro bem, pus apenas um comprimido na água.
-Veja a cartela...
Arlete lhe entrega a cartela do remédio.
-Estão faltando três. E hoje foi o segundo dia.
-É... Que estranho.
-O Euclides, filho. Tudo indica que foi ele.
-Mas...
-Não tem mas nem porque. Nem eu nem seu pai fizemos isso. Quem mais estava aqui além de nós? Acho bom ele se explicar direitinho.
-É, eu vou ligar pra ele. Mas antes me ajuda levantar, vou tomar um banho.
-Vem comigo.
Euclides saía do prédio de mala e cuia. Ele se despede do porteiro.
-Adeus, Seu Vilela. Estou saindo de casa.
-Que isso, Euclides! Que história é essa de sair de casa? Vai pra onde?
-Vou para qualquer lugar. Só não fico mais aqui. Se cuida, hein.
Euclides sai sem dar mais satisfações. Seu Vilela fica abismado, olhando-o partir.
-Eu me cuidar... Ele que faz besteira e eu que tenho que me cuidar... Garoto esquisito esse. – Diz o porteiro, tornando assistir à televisão.
Já dentro de um táxi, Euclides recebe uma ligação de Ariano.
-Oi Ariano, como você ta meu amigo?
-Eu vou bem... Dormi até agora, você acredita?
-Que isso!
-Euclides, por acaso você dissolveu algum comprimido daquele meu calmante no copo d’água?
-Aquele comprimido azul? Sim, eu fiz isso pra você.
-Poxa, por que não me avisou, amigo?
-Eu achei que não fosse preciso, ora. Você ia acordar e ver que faltava mais um comprimido na cartela. E também, eu acordei com a cabeça a mil, Ariano... Saí pelas ruas pensando na vida, fui até o Jornal e quando chego lá, olha a notícia que recebo: minha avó caiu da escada e morreu.
-Meu Deus!! Euclides, a sua... A sua avó??
-É, meu amigo. Acabo de voltar do enterro. Mas estou bem, não se preocupe.
-Nossa, eu sinto muito. Se não tivesse acontecido isso comigo, eu até poderia ter ido ao enterro, sua avó era muito simpática, me adorava.
-É, adorava mesmo... – Disse, a um esgar.
-Me desculpa por ter importunado você com esse lance de remédio. Entendo que fez com a melhor das intenções.
-Por que eu não faria?
-É, porque você não faria... – Sorri Ariano, envergonhado – Me desculpa mesmo. Você está cheio de problemas, e eu implicando com coisa boba.
-Não, eu é que te peço desculpa. Devia ter avisado você. Acabou você tomando dois comprimidos, por minha culpa.
-Esquece isso, já passou. Onde você está agora?
-Eu... Eu to indo para a casa de um tio. Vou dormir lá.
-Olha, as portas da minha casa estarão sempre abertas, ok?
-Eu sei disso, irmão. Um abraço. Não quer ir a faculdade amanhã?
-Estou pensando mesmo em ir. Já me sinto bem, odeio ficar enclausurado feito paciente vegetativo.
Os dois riram.
-Mas você ainda tem cabeça pra faculdade depois disso tudo? – Indaga Ariano.
-Minha cabeça se resfria rapidamente. Tenho essa qualidade.
-Bem... É, não deixa de ser uma qualidade...
-Então... Amanhã marcamos. Um grande abraço.
-Fique bem. Força, amigo. Abraços.
Euclides desligou.
Arlete, que estava próxima de seu filho, o perguntou:
-E então? Qual foi a justificativa dele?
-Ele disse que fez com a melhor das intenções, imaginou que eu fosse reparar na cartela, enfim... Ah mãe, esquece isso, a avó dele morreu, coitado, ele está com a cabeça a mil.
-Ele está errado, Ariano. Podia ter causado um problema mais grave. Foi uma grande irresponsabilidade.
-Eu sei, mas já passou.
Arlete não ficou satisfeita por completo. Mas, para não aborrecer Ariano, manteve-se calada em relação ao assunto...
Já era noite. Euclides havia se hospedado em um hotel modesto no Centro da cidade. Seus gastos seriam minuciosamente contabilizados de agora em diante. Além de suas economias, que não eram lá essas coisas, só tinha em caixa o dinheiro roubado da falecida avó. Precisou mentir a Ariano, pois se dissesse que se hospedaria num hotel, decerto que ele instaria para que fosse para sua casa novamente, e, naquela noite, isto seria inviável de acordo com seus planos...
No quarto de hotel, deitado na cama de solteiro, com a cabeça recostada na cabeceira, ele pensava em tudo que precisava por em prática naquela madrugada.
-Nada pode dar errado... É hoje ou nunca mais.
O celular de Lia Neide, que estava sobre a escrivaninha ao lado do seu, emite um sinal de que recebera uma mensagem de texto.
Euclides o apanha, e lê a mensagem:
-Ora, ora! Mensagem do Ariano! – Riu, surpreso.
Euclides lê a mensagem em voz alta, em tom debochado:
-Oi, Lia, como você está? Estou sentindo muito a sua falta. Cada dia que passa eu penso mais em você, na possibilidade de ficarmos juntos. Se não for te atrapalhar em nada, eu queria, quer dizer, quero convidar você para almoçar comigo amanhã no restaurante japonês perto do jornal. Ando muito triste esses dias, e sua companhia me fará muito bem. Aguardo confirmação. Beijos do coração, Ariano.
Euclides gargalha, levando as mãos à barriga de tanto rir.
-Que coisa estúpida... Ai, só o Ariano mesmo... Ah Ariano, essa noite você dormirá feliz, eu lhe darei esse presente.
Euclides responde a mensagem a Ariano pelo celular dela, dizendo:
-“Eu aceito, querido. Estarei lá, a partir do meio-dia, no meu horário de almoço. Obrigada pelo convite, beijinhos.”
Mensagem enviada.
Não demorou muito para Ariano ligar para Euclides, eufórico, e contar toda a novidade.
-Leve um ramalhete de rosas. Ela vai adorar. Reserve a melhor mesa. Um momento como este é pra ficar na história... É o início de um grande romance, irmão.
Ao desligar o celular, Euclides decidiu ir tomar um banho. Se levanta da cama, tira a camisa; e quando já se encaminhava para o banheiro, ouve uma nova mensagem sendo recebida no celular de Lia.
-Eita menina requisitada! – Reclama Euclides, apanhando o celular.
Ao ler a mensagem, ele quase cai para trás.
-Que diabo é isso!
Assim dizia a mensagem:
-“Eu sei quem está lendo essa mensagem agora. Já saquei seu plano. Não tente aprontar, pois, do contrário, vou te ferrar.”
Euclides oscila pelo quarto, atônito. Ele confere o número do celular que enviou a mensagem; era desconhecido. Nervoso, ele resolve rebater através de mensagem:
-“Quem é vc?”
E, dentro em pouco, uma nova mensagem ele recebe:
-“Pq o medo?”
-“Vc não sabe qm sou, está blefando”, ele retruca.
-“Eu não sou de blefes, Euclides. Pensei que já me conhecesse.”
Muito furioso, Euclides arremessa o celular contra o espelho de parede do quarto, quebrando-o em vários cacos.
-Maldição! Quem está me enviando essas mensagens? Lia, Ariano, Adalberto... Não, não... Eles não. Algum amiguinho engraçadinho da Lia, tentando capturar o ladrão. Bem, nesse caso, pode ser a própria Lia. Ela suspeita de mim, lógico, eu fui até a sala dela... Não, ela é tonta demais pra desconfiar de mim. E se ela contou pra Julia... É, pode ser essa maldita redatora...
Atormentado, Euclides segue para o chuveiro, e lá, sob a torrente de água gelada, ele bate a cabeça contra o ladrilho.
-Eu não vou abrir mão do meu plano por conta disso. Não vou!
Madrugada alta. Um homem vestido de branco caminha ansioso pela areia da praia do Leblon, deserta, sem barulho algum senão a das ondas se quebrando maviosamente. O sol ainda não dava sinais de romper a virgindade da noite. A lua cheia ainda figurava no céu como a grande estrela do cinema do mundo.
Uma voz masculina chama pelo homem de roupa branca.
-Ei, moço.
O homem se vira, assustado. A voz vinha logo atrás de si. Vinha de um homem vestido com uma blusa branca, uma jaqueta azul, uma calça de linho azul e um par de botinas pretas.
-Quem é você, isso é um assalto? – Atemorizou-se Adalberto, o homem de branco.
-Calma. Se fosse um assalto, minha abordagem seria muito mais violenta. Eu sou um guarda, já estou no fim do meu expediente.
-Não parece um guarda. Os trajes...
-Pra trabalhar uma hora dessas, quem é que se preocupa com traje, meu amigo?
-Não sei. Não se aproxime de mim, cara. – Advertiu, um pouco amedrontado.
-Eu estou de olho em você já faz um tempinho. Está passando por algum problema?
-Vai querer saber o que estou fazendo na praia essa hora? É problema meu, amigão. A praia é pública.
-Não me preocupo com o que pode ou não fazer. Me preocupo com você. Já passei por muitas decepções nessa vida, sabe. E muitas vezes, assim como você, fiquei vagando pela praia, de madrugada, tentando esquecer essas decepções. A maioria delas causada por mulheres. Pensei que precisasse de ajuda, uma palavra de conforto. Eu me chamo Fernando, a sua disposição.
-Não, eu to legal. Valeu aí pela sua preocupação.
-Então o que faz aqui?
-Não te interessa, meu irmão.
-Hum... Já sei. Está esperando uma mulher.
-Como sabe disso? Olha aqui cara, sai da minha reta ou eu quebro sua cara, sendo guarda ou não.
Adalberto agarra o colarinho de Euclides, encarando-o com impaciência.
-Se eu estivesse armado e fosse uma pessoa com más intenções, eu já teria te acertado, não acha? Por que ficar assim? – Diz Euclides, mantendo a ponderação, sem esboçar qualquer tipo de reação.
-Armado tu ta. Esse cassetete na cintura, por baixo da camisa.
De fato, Euclides tinha um bastão sob a camisa.
-Você queria que um guarda andasse por aí de mãos abanando? Pode me soltar agora, por favor?
Adalberto o encara por mais alguns segundos, e o solta.
-Como sabe que to esperando uma mina?
-Fácil. Olhe para trás e veja se não é aquela que vem vindo em nossa direção.
Adalberto não pensa duas vezes, volvendo o pescoço para trás. Ele observa a extensão da praia, o calçadão, e não consegue ver ninguém.
-Ah seu!!...
Ao encarar Euclides novamente, Adalberto é surpreendido por um golpe de cassetete no rosto. Foi tudo numa questão de fração de segundos, ele não teve tempo para reação alguma. Cambaleou, recuando. Euclides golpeia sua perna direita, ainda com mais força. Adalberto cai. Ao cair, ele lança um punhado de areia no rosto de Euclides, que fica atordoado.
-Meus olhos! – Grita.
Adalberto se levanta com dificuldade e pula sobre Euclides. O cassetete escapole das mãos do homem de olhar epilético. Adalberto desfere um soco no olho de Euclides, que por sua vez, consegue alcançar o cassetete, acertando-o na nuca de Adalberto.
O pugilista cai para o lado esquerdo, ainda acordado. Euclides se levanta, meio nocauteado pelo soco, e com o cassetete em punho, ele diz:
-A Lia Neide será minha, seu imbecil. Já tinha levado um nocaute desses?
Adalberto exprime um gemido, tenta se erguer, em vão.
-Nunca pensou que seria nocauteado, não? Marrento, prepotente. Homem que não admite ser largado por uma mulher e fica atrás dela que nem um cachorro faminto. Tudo orgulho ferido. Esta foi a sua última luta. E, infelizmente, não terá como pedir revanche, amigão. Não será mais um nocaute. Será o nocaute.
-Não! – Urra, num último pedido, já sem forças.
Impiedoso, Euclides desfere mais três golpes diretamente na cabeça de Adalberto, que “apaga”.
Da cabeça do homem o sangue jorrava, sujando a areia da praia. Vermelho do sangue, ocre da areia. Uma mescla que resultou numa nova cor: a cor do troféu de um homem sem alma.
Euclides notou que o homem ainda respirava. Então, certificando-se de que não havia nenhuma testemunha daquele crime, puxou o corpo de Adalberto pelas pernas até o mar. Euclides adentrou no mar com o corpo, que afundara. Foi o mais longe que pôde, abandonando o corpo desacordado no fundo do mar.
Saiu da água e desfez todo o rastro que o trajeto do corpo deixou na areia. Misturou a areia, fazendo o sangue ficar quase invisível. Lavou o cassetete sujo de sangue nas águas salgadas do mar, e o rosto também. O olho esquerdo ainda doía. Ficou ali, agachado, sentindo as ondas quebrarem em seus pés, admirando o horizonte ainda escuro. Já se passaram dois minutos e meio. “Já morreu afogado”, pensou.
Saiu dali, caminhando naturalmente, arrancando a jaqueta encharcada. Saiu sem deixar vestígios na areia...

CONTINUA NA PRÓXIMA SEGUNDA-FEIRA...

3 comentários:

Andréa Amaral disse...

Acho que vc pode mudar o nome do conto para: o maníaco que queria ser outro, pois de homem o Euclides só tem o nome de batismo. Êta alma doentia essa...Parabéns, Lohan. Você tem o dom de narrar episódios envolventes.

Ivelise Zanim disse...

Estamos lidando com um psicopata obstinado......Esse Euclides,ja está mais pra serial killer do que pra meramente um doente q faz qque coisa pra alcançar seus nefastos objetivos....ou melhor, ele é tudo isso junto....hehehehe!!! vamos ver o final ese conto....Abs amigo!!! parabens!!!!

Sim! Podemos pensar! disse...

Muito Bom!!!

Rapaz,fiquei pensando várias possibilidades,incluive(por milagre) o Adalberto não morrer e ser mais um para desmascarar o Euclides,Será???.

A cada semana esta melhor.

Parabéns!!!